Revista de Vinhos - Edição 370 (2020-10)

(Antfer) #1

94 · Revista de Vinhos ⁄ 370 · setembro 2020 @revistadevinhos


QUINTA DA BOA ESPERANÇA
Rua da Moita S/N – Zibreira / 2565-134 Carvoeira T.V.D
T. 261 742 044 / E. [email protected]

Chamava-se Antigo Casal do João Dias, até que, em 2014, Artur
Gama e Eva Moura Guedes adquirem a propriedade. Aqui na Zibreira,
num vale de encostas, a vinha é uma constante para onde quer que se
olhe. Combina a proximidade ao Atlântico, que está a menos de 20
km, com o Montejunto a nordeste, pelo que as vinhas, em encostas
de exposição nascente-poente, tiram partido dos raios solares que as
acariciam durante todo o dia.
A amplitude térmica entre Maio e Setembro em muito contribui
para a boa formação de aromas e balanço entre acidez e açúcar. Já a
humidade não deixa relaxar ou descurar a vigilância. Nos solos argilo-
-calcários corre um lençol freático que vem de Torres Vedras e já na
superfície se deparam vestígios de algas que, no conjunto, atuam no
perfil dos vinhos.
Nos 11,5 hectares há uma dezena de castas das quais se fazem treze
referências. Integra uma vinha em biológico de Touriga Nacional
ainda em regime experimental. Por aqui a consciência ambiental é ati-
tude praticada. Sente-se o cuidado na exploração e conhecimento do
potencial vitícola da propriedade, que conjuga a vontade dos proprie-
tários com o saber de Paula Fernandes que, além de enóloga, tem per-
curso profissional e académico na área da viticultura e integra o pro-
jeto desde o primeiro instante. Fez parte da coordenação do Catálogo
Nacional de Variedades e, em 2009, a sua tese de mestrado sobre os
comportamentos das castas Touriga Nacional e Syrah em diferentes
terroirs, desde o Minho ao Baixo Alentejo valeu-lhe várias distinções,
entre elas a nomeação do Melhor Trabalho do Ano, pela Associação
Portuguesa de Enologia, ou o prémio da Confraria do Dão. De referir,
ainda, o apoio ao projeto do enólogo consultor Rodrigo Martins.


Evolução e afinação


Os vinhos Quinta da Boa Esperança são constituídos pela gama
colheita (branco, rosé e tinto), colheita selecionada tinto, seis mono-
castas, dos quais três de castas brancas (Arinto, Fernão Pires e
Sauvignon Blanc) e três de tinto (Syrah, Touriga Nacional, Alicante
Bouschet), bem como três vinhos reserva (rosé, branco e tinto).
Percebe-se por esta diversidade o verdadeiro quebra-cabeças do quo-
tidiano da adega. “Como um jogo de Tetris”, refere com graça Paula
Fernandes.
A solução passa pela construção, em curso, de um pequeno com-
plexo que centraliza a vinificação, estágio dos vinhos e escritórios.
Dessa forma liberta os pequenos edifícios, de arquitetura histórica,
para o enoturismo e outras atividades, que hoje dão suporte à vini-
ficação e estágio. Como a vontade da equipa é a de “fazer vinhos
pedagógicos, mostrar as castas e experimentar”, como refere Artur, as
instalações devem responder a essa vontade. Neste momento produz
cerca de 70 mil garrafas, mas com potencial para 150 mil.
A prova dos vinhos mostra o natural percurso de evolução e afinação
no desenho e perfil, bem percetível ao percorrer as poucas colheitas


realizadas. Os vinhos brancos são muito fiéis ao estilo “Lisboa”, com a
frescura ácida e salinidade marcantes. Contudo revelam sofisticação
crescente na definição aromática e nada exuberantes. Os cuidados
com origem na individualidade das parcelas, das castas, a vindima nos
tempos certos, as minúcias e o foco nos procedimentos à entrada da
adega, como por exemplo os regimes de prensagem e esmagamento,
fazem sentir-se no primor e precisão geral. Excelentes na estrutura e
balanço, a combinar volume com acidez elevada e de qualidade.
Como exemplo, o Quinta da Boa Esperança Fernão Pires 2017, a
referência de maior produção (35  mil garrafas), que revela fruta
madura e algum mel, sugestões de querosene em contraste com forte
impressão salina e vibrante acidez. Já o 2018 é mais focado e preciso,
pois impera a frescura e sobriedade num todo muito sofisticado.
Belíssimo o Arinto de 2018, de estrutura notável e muito séria. Talvez
o melhor e mais distinto branco da Quinta da Boa Esperança!
A gama Colheita apresenta muita qualidade e ambição, a mostrar
ser ótimo porta-estandarte do projeto. Os vinhos tintos confirmam
a região de Lisboa como produtora de tintos “amadurecidos” mas de
frescura incrível.
O Colheita Seleccionada 2015 é um verdadeiro “vinho de somme-
lier”. O Alicante Bouschet que, para os proprietários e enóloga tinha
tudo para não ser feliz ali, surpreende e contraria as previsões, ao
manifestar-se em força e elegância na edição de 2017. O ímpeto de
experimentação, conjugado com a gestão da operacional, levou ao
surgir de um Rosé Reserva de 2018. Peripécia que se conta de forma
rápida. Para não deixar uma barrica de 500 litros em vazio, esta foi
cheia com rosé de Touriga Nacional, resultando original, diferente e
curioso, que lhe vale vir a ser replicado no futuro.
São vinhos que, de modo explícito, abrilhantam momentos à mesa.
Na capital inglesa estão presentes em mais de 30 restaurantes, através
de Tim McLaughlin-Green, fundador da sommelierschoice.co.uk, no
qual a Quinta da Boa Esperança tem parceiro e embaixador entu-
siasta. A exportação já representa mais de 60% do negócio, com os
vinhos presentes em dez países. No mercado nacional, o foco é o canal
Horeca e figuram em alguns restaurantes referência da capital.
O enoturismo começou de forma espontânea, ao receber visitas e
dar os vinhos à prova e naturalmente teve de passar a ser abordado de
uma forma estruturada. “Queremos que seja um enoturismo familiar
e intimista”, sublinha Artur Gama. Visitas, provas e refeições fazem
parte da oferta. São quatro pacotes de provas que percorrem as gamas
de vinho e quatro propostas de refeição harmonizadas com vinhos.
Bom vinho, simpatia, charme, tudo bem perto de Lisboa.

QUINTA DA BOA ESPERANÇA

Aqui na Zibreira, num vale de encostas, a vinha


é uma constante para onde quer que se olhe.


Combina a proximidade ao Atlântico, que está a


menos de 20 km, com o Montejunto a nordeste,


pelo que as vinhas, em encostas de exposição


nascente-poente, tiram partido dos raios solares


que as acariciam durante todo o dia.

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