Crusoé - Edição 124 (2020-09-11)

(Antfer) #1

No meu caso, isso acontece com os anos 80, aos quais sobrevivi —não sem sequelas,
obviamente. No Brasil, passamos metade dessa década sob o general Figueiredo
(“quem quiser que não abra eu prendo, arrebento”) e a outra metade sob os bigodes do
poeta José Sarney: COMO é possível alguém achar que isso foi bom? Que saudade da
inflação galopante e de esperar até três anos para receber telefone depois de comprar,
hein? E de ouvir os cliques das maquininhas de remarcar preço no mercado, então?
Fora aquela supernovidade que era a Aids.


O pior é que, ultimamente, resolveram ressuscitar pessoas e costumes oitentistas que
são ainda piores do que as clássicas atrocidades de vestuário, como ombreiras e
pochetes. E não são só as novas gerações, esses “garotinhos juvenis” que nasceram com
internet; é gente que, assim como eu, estava viva e consciente (ou talvez nem tanto)
naquela época e should know better. Este texto será uma tentativa de listar algumas
coisinhas dos anos 80 que voltaram a bombar, naquilo que Cazuza —que hoje talvez
ficasse feliz por ter morrido assim que aquela década acabou— chamava de “museu de
grandes novidades”.



  • Os fiscais do Bolsoney


Como se não bastasse o aumento dos preços do arroz lembrar a época em que o grande
vilão da inflação no Brasil era o chuchu —não Geraldo Alckmin, a hortaliça mesmo—,
ainda aparece Jair Bolsonaro pedindo “patriotismo” aos donos de supermercado. Ato
contínuo, o Ministério da Justiça determina que mercados e produtores se expliquem
sobre a alta de preços do produto. Só estão faltando os buttons de fiscal do Bolsoney e
as lojas fechadas “em nome do povo brasileiro”. (A inflaçãozona também, mas logo
esse governo aí dá um jeito.)



  • Os dinossauros do rock nacional, esse celeiro de idiotas


Artista popular, em geral, é bem burrão quando se trata de dar palpite sobre qualquer
coisa que não seja a própria arte, mas os brasileiros capricham —e, nesse grupo, têm
especial destaque os “roqueiros dos anos 80”. Em vez de morrer, como Cazuza ou
Renato Russo, ou se retirar para uma velhice digna no Parque dos Dinossauros, alguns
deles continuam fazendo questão de dar OPINIÕES no Twitter, com toda a
inteligência e sofisticação que se espera do pensamento deles. Já escrevi aqui sobre o
glorioso Roger do Ultraje e, hoje, cito o não menos glorioso Leoni do Kid Abelha, que
está na outra ponta da ferradura ideológica: recentemente, o compositor da imortal
“tira essa bermuda que eu quero você sério” foi ao Twitter elogiar um neostalinista, na
linha “veja bem, ele não é stalinista, só defende o Stálin quando os liberais fazem isso e
aquilo”. Claro! Neonazistas também não são nazistas: eles só defendem Hitler quando
alguém se esquece da “humilhação à Alemanha no Tratado de Versalhes”, ora.


(Para não dizerem que estou sendo injusto, registro aqui que sou fã incondicional da
Paula Toller e da pandeirada que, dizem, ela deu no Leoni. Obra de arte.)



  • O velho e bom comunismo soviético

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