Clipping Banco Central (2020-09-15)

(Antfer) #1

Preconceito anacrônico


Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Poder
terça-feira, 15 de setembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Joel Pinheiro da Fonseca


Tentativa de apagar pensadores por suas limitações nos
empurra para tribalismo estreito


A Universidade de Edimburgo, na Escócia, decidiu
mudar o nome da torre David Hume, que homenageia
um dos maiores filósofos de todos os tempos (e também
escocês). O crime de Hume, previsivelmente, é não ter
sido um progressista do século 21. As passagens estão
lá e não restam dúvidas: Hume era racista, acreditava
que os brancos eram intelectualmente superiores.


Ocorre, contudo, que as diferenças entre raças não são
um tema central de Hume. Pelo contrário, aparecem em
notas laterais irrelevantes para sua contribuição ao
pensamento e que jamais o ocuparam longamente.
Eram, ademais, bastante comuns em sua época.


O racismo, diga-se de passagem, não foi privilégio
apenas de brancos europeus. Exemplos de preconceito
racial em outros povos são vários. Vejam o racismo do
estudioso islâmico Ibne Caldune â?"século 14â?" que
se referia dessa maneira a um povo supostamente


inferior: "O país dos francos é situado na parte fria ao
norte do mundo. O clima natural desta terra produziria,
naturalmente, pessoas burras e ignorantes como
animais, e muitos, como os eslavos, não têm religião e
se vestem com peles". Sua obra permanece como um
esforço pioneiro e muito rico de pensamento
sociológico.

"Podemos ler os escritos de Hume e aprender sobre
eles no devido contexto, mas não há motivo para que o
prédio mais alto do campus deva receber seu nome",
diz a estudante Elizabeth Lund no abaixo-assinado que
motivou a mudança do nome. Não há motivo para
homenagear um dos maiores filósofos da História e
orgulho da Escócia? Assim como europeus atuais
podem ignorar o preconceito de Ibne Caldune e honrá-lo
por sua grandeza, qualquer pessoa pode admirar o
pensamento de Hume.

Uma sociedade que não tem coragem de homenagear
os seus melhores porque eles não foram perfeitos está
fadada a decair sob o peso da mediocridade. Se hoje
temos condições de avaliar os erros e bairrismos do
passado, é graças ao esforço intelectual de gigantes
como David Hume.

Com efeito, Hume muniu a humanidade (toda ela, em
todos os continentes) de argumentos que muito
contribuíram para vencer velhos preconceitos que se
apresentavam como verdades inquestionáveis. A
fragilidade de nosso pensamento indutivo, a brutal
distância que separa fatos e valores. O pensamento de
Hume, ousado até para os padrões atuais em sua
disposição de colocar em xeque certezas e
pressuposições, é um verdadeiro ácido contra as
certezas.

Quando um erro ou crime é muito difundido em uma
época, não cabe condenar um indivíduo apenas por tê-
lo repetido. Cabe, aí sim, celebrar aqueles que,
superando as limitações comuns de seu tempo, viram
mais longe. Como no caso de um dos melhores amigos
de Hume â?"e também escocêsâ?", o pai da economia,
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