Clipping Banco Central (2020-09-15)

(Antfer) #1

O evangelho bolsonarista


Banco Central do Brasil

O Estado de S. Paulo/Nacional - Notas e Informações
terça-feira, 15 de setembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Em célebre passagem da Bíblia (Mateus 22:17-21), o
próprio Cristo aconselha a pagar os impostos em dia:
"Dai, pois, a César o que é de César, a Deus o que é de
Deus". Religioso como diz ser, o presidente Jair
Bolsonaro deve conhecer essa prédica, mas
aparentemente se esqueceu dela ao defender a criação
de "instrumentos normativos" para permitir que
entidades religiosas, já isentas do pagamento de
impostos, deixem de pagar também contribuições, como
a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a
previdenciária.


A defesa da isenção total para igrejas foi feita depois
que Bolsonaro se viu na contingência de, muito a
contragosto, vetar um "jabuti" incorporado ao Projeto de
Lei 1.581/2020, que trata de acordos para pagamento
de precatórios entre a União e seus credores. Se
sancionado pelo presidente, o tal quelônio que a
Câmara desavergonhadamente aprovou anistiaria R$ 1
bilhão em débitos tributários das igrejas, segundo
cálculos da equipe econômica.


O Ministério da Economia, obviamente, recomendou a
Bolsonaro que vetasse esse dispositivo, que já seria


absurdo em condições normais, mas que se tornaria
especialmente ofensivo diante do quadro de penúria
fiscal e de despesas crescentes com a pandemia de
covid19. O presidente o fez, mas apenas parcialmente -
manteve uma anistia a multas aplicadas pela Receita
Federal pela não quitação de tributos sobre a chamada
"prebenda", nome que se dá ao pagamento que
ministros de ordens religiosas recebem, entendido como
remuneração direta ou indireta. Uma lei de junho de
2015 isentou os religiosos desse tributo, e o dispositivo
sancionado por Bolsonaro perdoa todas as autuações
feitas antes daquela data. Uma dádiva.

Não é preciso ler a Bíblia para saber que se trata de
uma imoralidade - além de uma ilegalidade. Basta
consultar o Código Tributário Nacional, cujo artigo 144
mantém multas e autuações mesmo que a lei que as
determinou seja posteriormente alterada ou revogada.
Foi essa singela constatação - a de que havia um
"obstáculo jurídico incontornável", segundo nota da
Secretaria Geral da Presidência - que fez Bolsonaro
acatar a necessidade de vetar parcialmente as
manobras para privilegiar escandalosamente os donos
de igrejas evangélicas que o apoiam. Só a igreja
pertencente à família do deputado David Soares, autor
do "jabuti", deve algo em torno de R$ 38 milhões à
União.

Mas a fé move montanhas. Enquanto se via obrigado a
cumprir o que determina a lei - reconhecendo que, se
não o fizesse, incorreria em crime de responsabilidade,
com risco inclusive de impeachment -, o presidente
Bolsonaro estimulava os deputados a ignorá-la,
derrubando seu próprio veto. "Confesso. Caso fosse
deputado ou senador, por ocasião da análise do veto
que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do
mesmo (sic)", declarou o presidente nas redes sociais,
desmoralizando de vez o instituto do veto presidencial
fundamental no processo legislativo. Bolsonaro
prometeu ainda que apresentará "nesta semana" uma
proposta de emenda constitucional para determinar
"uma possível solução para estabelecer o alcance
adequado para a imunidade das igrejas nas questões
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