Clipping Banco Central (2020-09-15)

(Antfer) #1

Stalin em Ipanema


Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Opinião
terça-feira, 15 de setembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Pablo Ortellado


Caetano Veloso esteve no centro de uma nova
controvérsia, semana passada, quando, em entrevista
ao programa do Bial, reviu sua posição crítica aos
regimes socialistas registrada no belíssimo
documentário "Narciso em Férias".


A força estética da obra de Caetano e do tropicalismo
sempre esteve alicerçada na articulação de opostos, um
procedimento que herdou do modernismo paulista.


Por meio da citação, da paródia e da colagem, sua obra
combinou o arcaico e o moderno, o tradicional e a
vanguarda, o nacional e o estrangeiro, o artístico e o
comercial.


O resultado dessas combinações não foi apenas uma
síntese, mas uma espécie de promoção, na qual o
Brasil moderno, "fora do lugar", se reencontrou, se
reconciliou com o Brasil profundo e arcaico, levando-o
adiante.


O mesmo se deu com a música comercial ou brega que


quando mobilizadas por procedimentos que dialogavam
com a arte erudita eram alçadas e erigidas.

Esses opostos mobilizados não eram, porém, as
oposições superficiais da conjuntura - a oposição entre
o nacional-popular da canção de protesto e a futilidade
cheia de estrangeirismos da música comercial,
supostamente alienada - , mas as contradições
estruturais da vida social brasileira.

Na política, também, Caetano não se deixou capturar
pela oposição dicotômica entre o autoritarismo da
ditadura militar e aquele das diferentes experiências
socialistas, adotando uma posição contracultural de
inclinação liberal.

É justamente essa posição que Caetano revê na
entrevista.

Bial mostra um trecho do filme em que Caetano diz que,
ao contrário do que alegavam seus perseguidores na
ditadura, nunca havia defendido as experiências
socialistas. Nesse momento, ressalta que, passados
dois anos da gravação, não pensa mais assim, porque
havia sido persuadido pela obra de Domenico Losurdo.

Losurdo é um dos principais responsáveis pela amai
onda revisionista sobre o legado de Stalin. Sua obra
reconhece as violências do stalinismo, mas as justifica e
as contemporiza, comparando-as com violências que
teriam sido maiores na modernização capitalista.

Na entrevista, Caetano diz que sua nova posição não é
reação polarizada à ascensão da direita, mas a obra de
Losurdo consiste justamente naredenção dos campos
de concentração, dos assassinatos políticos e da
perseguição aos dissidentes por meio da comparação
com o regime adversário.

Depois de denunciar com firmeza o autoritarismo da
ditadura militar num depoimento oportuno, Caetano se
rendeu à irresponsabilidade narcísica, incensando o
stalinismo.
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