ROBERTO DAMATTA - Máscaras e dúvidas
Banco Central do Brasil
O Globo/Nacional - Opinião
quarta-feira, 16 de setembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: ROBERTO DAMATTA
Quebrei um dente e fui obrigado a romper a quarentena
atual e a outra, de 50 anos, para visitar o Dr. Rodrigo
Medina, meu competente dentista. Como era uma
emergência, marcamos ao anoitecer, quando seria
prontamente atendido.
Devidamente mascarado e me sentindo um pouco
bandido de história em quadrinhos, ou um reles político
nacional, andei pelos intermináveis corredores do prédio
e, driblando a insegurança da idade, cheguei ao
consultório, sentei-me e fiquei esperando minha vez.
Vivemos com grande intensidade, e em todo lugar, a
experiência de entrar numa democrática fila, instituição
sobre a qual, em 2007, produzi com Alberto Junqueira o
livro virgem de leitores "Fila & democracia". Seguro de
um atendimento igualitário, suspirei alegre, agasalhado
pela confiança que me era dada pela rotina da fila
avessa às hierarquias brasileiras - do quem chega
primeiro, é primeiro atendido.
Minutos depois, entrou no consultório uma jovem
senhora. Após os reconhecimentos mútuos
demandados pela "boa educação", começamos uma
conversa trivial. Observamos o terror da pandemia que
nos obrigava a usar máscaras; comentamos nosso nojo
pelos governantes que roubaram recursos médicos e
construíram hospitais fantasmas. Notando a percepção
de minha companheira de espera, perguntei no que ela
trabalhava.
- Sou professora - disse. - E você?
- Sou do mesmo ramo, sou professor da PUC-Rio.
- De quê?
- De Antropologia Social ou Cultural - respondi de
pronto, como sempre faço para explicar que o "cultural"
que eu ensino nada tem a ver com "show business"
(teatro, cinema, TV etc...), mas com valores e
costumes... - O senhor conhece o Roberto DaMatta? - perguntou
imediatamente minha companheira de espera. - Acho que sim - disse o mascarado. Creio que conheço
um pouco... - Eu adoro o que ele escreve. Como ele é? - perguntou
a moça para uma cara surpresa, escondida pela
máscara.
A pergunta banal me pegou. Afinal, quem era mesmo
eu? Seria o pai, avô, irmão, filho, viúvo, tio e primo? Ou
seria um velho professor-pesquisador conjugado por um
esforçado cronista e autor? Ou simplesmente um velho?
- Bem - respondí. - Ele é um cara complicado, indeciso,
enfático e até mesmo grosseiro. Acho que é impaciente
com a burrice nacional, mas isso é um direito dele... - Então você teve convivência com ele... - questionou a
moça do rosto escondido.