Clipping Banco Central (2020-09-16)

(Antfer) #1

A investigação criminal e a arca da prova perdida


Banco Central do Brasil

O Estado de S. Paulo/Nacional - Espaço Aberto
quarta-feira, 16 de setembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: José Roberto Batochio


Nova forma de espetáculo se candidata a estrelar uma
dessas eletrizantes séries da atual indústria do
entretenimento: a busca e apreensão arqueológica, às
vezes acompanhada de prisão e humilhante exposição
do sujeito passivo nas redes sociais. As autoridades da
persecução penal agora exibem performance
hollywoodiana à Indiana Jones: são caçadores da prova
(no tempo) perdida. Com aval de juízes justiceiros,
vasculham residências e escritórios - e arrastam tudo o
que consideram relicário de ilícitos fossilizados, de
celulares a computadores, arquivos e cadernetas de
anotações, e de quebra expropriam qualquer quantia
encontrada numa gaveta e mesmo obras decorativas
que mais tarde um juiz mecenas doará, como herói
local, a museus regionais.


O espetáculo - máxime quando já recebida a denúncia -
convola mera aparência em delinquência. A "operação",
caprichosamente filmada - também são cinegrafistas! -,
é logo divulgada nas redes sociais como prova do crime
desvendado, dispensando, no julgamento sumário do
coliseu digital, o devido processo legal e estigmatizando


o investigado como réu já inapelavelmente condenado.
A investigação é recente, mas os fatos em apuração
mostram-se perdidos na poeira do tempo. Para citar um
dos incontáveis casos recentes, o senador José Serra
foi alvo de mandados de busca e apreensão na
residência, no escritório e até no gabinete do Senado, a
pretexto de os diligentes investigadores "pescarem"
indícios de supostos ilícitos que datariam de 2014 -
havia seis anos. Caso acabado de arqueologia
probatória. Que dizer das últimas invasões de
escritórios de advogados por fatos que datariam de
quase uma década?

Tais blitzkriege não são apenas em ricas vivendas e
escritórios afluentes, a cujas investidas se segue o
gáudio "das ruas", que condenam antes do julgamento.
Seus alvos não são apenas os chamados "criminosos
de colarinho branco". A vítima também está no barraco,
nas comunidades, nas favelas, nas ruas ermas da
periferia, em que falta tudo menos, é claro, a truculência
dos agentes do Estado. Nesses territórios onde os
direitos não imperam, os abusivos mandados de busca
são um luxo, substituídos pela violência na abordagem
e pelo cano do fuzil. Casebres são invadidos, cidadãos,
a começar pelas mulheres, são revistados sem pudor e
objetos pessoais, apreendidos, se não espoliados,
porque arrancados pela força das armas.

Por ocasião da intervenção federal no Rio de Janeiro, o
Circuito Favelas por Direitos colecionou mais de 300
relatos de moradores de 15 comunidades que sofreram
tais abusos - se já habituais por parte da polícia,
daquela vez também praticados por integrantes das
Forças Armadas lançadas na contraindicada tarefa
policial. Um morador ilustrou a frequente violação de
seu domicílio: "Tive meu portão arrombado diversas
vezes. Agora eu coloco só uma correntinha, porque não
dá para ficar consertando toda hora". E outro: "Eu já tive
dois celulares subtraídos por eles. Eles mandam tirar a
senha. Olham as mensagens, os grupos e dependendo
até levam mesmo".

Como que a corroborar o sistemático desrespeito aos
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