Clipping Banco Central (2020-09-17)

(Antfer) #1

Chamem a Janete Clair!


Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Cotidiano
quinta-feira, 17 de setembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Sérgio Rodrigues


Quando a trama do mundo deixa de fazer sentido, é
hora de um terremoto


A história das telenovelas brasileiras registra um
momento crucial: aquele em que Janete Clair chega em
1967 à TV Globo para resolver um probleminha técnico
de arte narrativa.


A novela das oito que estava no ar, "Anastácia, a Mulher
Sem Pecado", tinha se tornado uma maçaroca de
tramas e subtramas folhetinescas que aborrecia o
público. Os personagens eram mais de cem. A
audiência afundava dia a dia.


A solução encontrada pela autora ficou famosa: um
terremoto matou a maioria dos personagens, e a turma
que sobrou deu um salto de 20 anos para o futuro. A
audiência subiu. Janete começava a se transformar em
rainha do gênero.


O caso de "Anastácia, a Mulher Sem Pecado" me veio à
lembrança quando pensava em como a novela Brasil


â?"subsidiária da novela Mundo, que também anda
malâ?" dificulta a tarefa de acompanhá-la.

Mundo tem um pano de fundo sombrio, a ameaça
apocalíptica representada por um colapso climático
â?"boa premissa. Depois a coisa desanda.

Rola uma pandemia aleatória. Multidões decidem que é
uma boa hora de enlouquecer, brigar com a razão e os
fatos. Muitos se entrincheiram em tribos armadas que
se odeiam umas às outras.

Digamos que, até aí, vá lá. Um roteiro pesado e tenso,
mas talvez fosse possível tocá-lo em frente com o
tempero de um ou outro alívio cômico e uma boa
redenção no final. Mas nosso riso tem tendido ao
histérico, e redenção não se vê no horizonte.

A novela Brasil é ainda pior. Tem personagens demais
entrando e saindo de cena, muitos deles clichezentos,
estereotipados. A qualidade intelectual e moral de
grande parte dos protagonistas, coadjuvantes e até
figurantes despencou.

As subtramas são ridiculamente variadas. Como dar
conta de cenas e temas disparatados como piadinha
sexual com criança, campanha de reabilitação de Stálin,
teoria da conspiração para pessoas com QI sub-55,
pornografia salarial da Justiça brasileira, Pantanal em
chamas e fosfina em Vênus?

Pitadas de violência costumam levantar o ibope, mas a
justa medida foi ultrapassada faz tempo. Ninguém
aguenta ver todos os dias cenas de assassinato de
biomas, reputações e pessoas cujo único crime é ter a
pele escura.

Entende-se a vontade de mudar de canal quando todas
as injustiças, desigualdades e violências ancestrais,
abafadas por séculos, explodem com violência gráfica
â?"e as instâncias que poderiam mediar esses conflitos
se revelam miragens.
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