Clipping Banco Central (2020-09-17)

(Antfer) #1

Maria Hermínia Tavares - Um espectro ronda o PT


Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Opinião
quinta-feira, 17 de setembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas

Clique aqui para abrir a imagem

Autor: Maria Hermínia Tavares


Maria Hermínia Tavares


Pesquisadora do Cebrap e professora aposentada da
USP


Escreve às quintas


O colapso político-eleitoral do PT em 2018, que abriu as
portas do Planalto a Bolsonaro, fez encolher a sua
bancada no Congresso. Mas não o tirou do pódio entre
as 24 legendas ali representadas. Ainda que as
próximas eleições municipais confirmem - ou mesmo
agravem - a sangria de votos sofrida em 2016, o Partido
dos Trabalhadores continuará sendo até onde a vista
alcance o alicerce de qualquer barreira oposicionista ao
predomínio da direita radical do capitão-presidente.


Por isso, é importante ouvir o seu comandante-chefe,
goste-se ou não de suas palavras. E, no 7 de Setembro,
ele fez afirmações num tom que de há muito não se
ouvia. Na sua fala, é possível reconhecer o Lula capaz
de ser íntimo dos que perderam pessoas queridas ou


sua fonte de renda por causa da pandemia; dos que
dependem do SUS; dos que sofrem discriminações de
toda ordem e dos que têm medo do amanhã; ao lado da
defesa da democracia e das liberdades ameaçadas pelo
bolsonarismo.

Para os seus septuagenários coetâneos, porém, o
discurso soou parecido ao do PT dos velhos tempos.
Tempos do partido da crítica social radical, do
igualitarismo social e do nacionalismo, da denúncia das
oligarquias e dos poderosos - em suma, da agremiação
que se fechava a alianças porque se apresentava como
porta-voz sem par da "classe trabalhadora". Oposição
pura e dura, aversa à negociação política, o PT votou
contra todos os planos de estabilização - do Cruzado ao
Real - e não assinou a Constituição de 1988.

A retórica incisiva e a estratégia de apresentar
candidatos próprios em eleições para cargos executivos
importantes, além de disputar a Presidência sempre
com o seu maior nome, deram frutos. Em 20 anos, o PT
se transformou no maior partido da esquerda brasileira,
e Lula, no político mais popular do país, conhecido
mundo afora.

Mas o que serviu para fortalecer o PT na oposição não
bastou para fazê-lo chegar ao governo. Só o conseguiu
ao moderar o discurso na Carta ao Povo Brasileiro e
trazer o centro para a vice-presidência, com José
Alencar, em 2002, e o MDB para a coalizão de governo,
em 2006.

Entre 2002 e 2016, o PT governou com um amplo
enlace, que atravessava o espectro político da esquerda
até a centro-direita - sem esquecer que, antes, a
moderação política já havia tingido campanhas
municipais do partido.

Repetir a retórica da recusa aos "pactos pelo alto" e a
estratégia eleitoral dos primórdios pode confortar a
militância fiel, mas não tem a amplitude necessária para
afastar do horizonte o pesadelo da extrema direita. É
um espectro a rondar o PT.
Free download pdf