Placar - Edição 1467 (2020-09)

(Antfer) #1

set | 2020 29


Foi em São Paulo. Afonsinho, um rapaz barbudo, cabeludo, de ideias revolucionárias, e Pelé,
um homem inteligente, profundo conhecedor do futebol, já em fim de carreira, discutiram vá-
rios problemas da vida de um jogador profissional. Não foi fácil chegarem a uma conclusão so-
bre o que precisa ser feito para melhorar as condições da classe, mas o ponto de partida emerge
do diálogo: unir os jogadores de futebol em torno de seu sindicato (e de uma Federação Nacio-
nal) e, principalmente, conseguir do governo federal a regulamentação da profissão.

PLACAR — O que vocês acham da lei do passe?
Afonsinho — Bem, o problema é um só: não podemos discutir problemas parcelados da pro-
fissão se não existe a regulamentação dessa profissão, se não existem leis para ela.
Pelé — É verdade. Como pode ser enquadrado o jogador de futebol, se sua profissão não é
nem mesmo reconhecida pelas leis do país? Não existe nenhuma base feita para que sejam
apontadas soluções.
Afonsinho — O jogador, apesar de ser um profissional, é um marginal. Um marginal que só
excepcionalmente ganha muito bem. Segundo uma pesquisa de vocês mesmos, apenas quaren-
ta jogadores, num total de 6 000 e qualquer coisa, ganham razoavelmente bem.
Pelé — Além de ser uma classe muito desunida. A gente não consegue reunir todos os joga-
dores em torno de uma causa, de uma ideia. Não se consegue nem mesmo reuni-los em torno do
sindicato aqui em São Paulo.
Afonsinho — Nós temos de lutar para
que a classe, por inteiro, seja favorecida.
Pelé — Mesmo tendo melhorado muito,
a nossa classe continua composta, na
maioria, de gente humilde, que ainda não
tem uma mentalidade de classe formada.
Afonsinho — Verdade. A grande maio-
ria dos nossos colegas não consegue alcan-
çar a profundidade do problema. Nossa
carreira é muito curta e isso obriga a pes-
soa a pensar em termos imediatistas.
Pelé — Tem mais. Quando fomos falar
com o presidente da República, muita gen-
te deturpou, dizendo que estávamos argu-
mentando em causa própria. Ao contrário,
eu fui pedir em favor da regulamentação
da profissão de jogador de futebol.
Afonsinho — Se não existe a profissão
de jogador, como é que alguém pode se
aposentar por sofrer um acidente nessa
profissão? Por isso a iniciativa tem de par-
tir desses jogadores que ganham mais, es-
ses quarenta aí de que PLACAR falou.

Os repórteres Michel Laurence e Aristélio Andrade e o fotógrafo
Lemyr Martins reuniram Pelé e o craque Afonsinho para uma
conversa em torno da vida dos profissionais — a grande maioria —,
que não ganhavam o suficiente para garantir a aposentadoria

Publicado em 3 de dezembro de 1971

JOGADOR TAMBÉM


É GENTE


Afonsinho e Pelé, no improvável bate-papo promovido
pela revista: um encontro de duas gerações à procura
de uma solução que, eles já sabiam na época, tinha por
objetivo beneficiar os jogadores profissionais no futuro

fOtOs Lemyr mArtins

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