Placar - Edição 1467 (2020-09)

(Antfer) #1

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pelé 80


set | 2020

intimidade


Os repórteres Narciso James e Michel Laurence estavam em
Santos quando nasceu Edson, filho do papai Edson, que sonhava
em dar a ele “um futuro sem a sombra do seu nome, sem a fama
de Pelé” — missão para lá de inglória para um mito universal

O NASCIMENTO


DO HERDEIRO


— Meu Deus, um menino! Engraçado como as
coisas me acontecem. Eu estava preparado para que
fosse uma menina. Um menino! Agora, meus planos
têm de mudar completamente.
— Pelé, por favor, segura o garoto mais uma vez?
— Tenho de pedir para que tomem cuidado com
os flashes. Acho que atrapalham a vista do menino.
Ele faz cara feia toda vez que um é disparado.
— Pelé, será que ele vai ser um grande jogador de
futebol?
— Não sei. Mas já estamos pensando no menino
em termos de Pelé. Não é nada disso que eu quero.
Vou ter de tomar cuidado para que minha fama e o
futebol não interfiram na vida dele. Ele tem de ser o
que ele quiser. Pode ser até que ele nem goste de fu-
tebol.
— Por favor, mais uma foto.
— Por hoje chega, o menino tem de descansar. A
Kelly Cristina está feliz. Agorinha mesmo estava
anunciando, no quarto ao lado, que nasceu seu ir-
mãozinho. Até agora tudo lá em casa era para ela.
Com o menino, pode estranhar, ficar com ciúme.

***
A festa foi planejada para comemorar o aniversá-
rio de Ramos Delgado e de Júlio Mazzei, no restau-
rante de Ramos Delgado, o Casarão do Lucas, em
São Vicente, litoral de São Paulo.
— Como é, Pelé? Um novo rei?
— Não comecem a chamar o menino de “novo rei”. Eu não quis que ele se
chamasse Edson Arantes do Nascimento para não ser Júnior ou Filho. Isso vai
complicar a vida dele.
Júlio Mazzei ri sem parar: “O Crioulo está tontinho, dando bom-dia às 9 da
noite. Está bobo, bobo”. A mulher de Ramos Delgado aproxima-se de Pelé. Pede
a ele que se levante para abraçá-lo e começa colocando um babador em torno de
seu pescoço. Depois, uma fralda amarrada à cintura. Uma chupeta na boca e fi-
nalmente um banho de talco. Pelé aceita tudo rindo, brincando. Nada parece ter
importância para ele, a não ser um menino, de olhos fechados, que está nos
braços da mãe, na maternidade.
— Um menino com responsabilidade demais. Um menino para quem eu não
quero a minha vida.

Publicado em 4 de setembro de 1970

a família nascimento na
maternidade (ao lado) e o
menino edson, em foto
publicada em PLaCaR em
1974, quando Pelé se
despediu do Santos (a c i m a):
“Um menino com
responsabilidade demais”

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