Época - Edição 1158 (2020-09-21)

(Antfer) #1

J


airBolsonaroeAndrésManuelLópezObrador(AMLO)
pareciam, no ano longínquo de 2018,duas figuras políti-
cas diametralmente opostas. De um lado, um ex-deputado
candidato àPresidência nitidamentereacionário —extre-
ma-direita passou aser otermopara designar aqueles que
antes erammaisdiretamente identificados.Bolsonaroé
não apenas reacionário,mas abertamente refratárioàs ins-
tituições que compõemademocracia brasileira. Do outro
lado,tínhamos um político de esquerda,com experiência
em gestão —havia sido prefeito da CidadedoMéxico—,
defensordademocracia edos direitosdos maispobres.
Ambos demonstravaminclinações populistas, éverdade,
masemtodooresto as diferenças erambrutais. Veio apan-
demia. Veio apandemia earesposta de um edeoutro foi
praticamenteamesma.Ignoraramagravidade do quadro,
não adotaram medidasparafrear adisseminaçãodovírus,
não fizerampolíticasadequadas para resgatar suasecono-
mias do desastre. Contudo,gozamde índicesde aprovação
razoáveis, e, de um modogeral,opovo nas ruas os enxerga
com bonsolhos. Notem: falei do povonas ruas.

TantoAMLOquanto Bolsonaro
foramàs ruas dizeraambulantes
eoutrostrabalhadoresque essa
históriade quarentena não fazia
sentido pois perderiamseus meios
de sobrevivência.

Ambosusamum linguajar simples enão escondemseu
lado maisrude.Nãotêm diplomaspara ostentar,tampou-
coacreditamnessesdiplomas.Pelopoderdaretóricajunto
ao povo,pela essênciade seu populismodesvelado,impu-
seramsuas própriasnarrativas sobreoque está acontecen-
do em seuspaíses. Conseguiram,cadaum aseu modo,
calaraoposiçãoenão lhe oferecerqualqueralternativa de
engajamento comopovo que eles agorachamamde seu.
Dóiconstatar isso?Claro.Mas éessa arealidadedas duas
maioreseconomiasda AméricaLatina.

Oque se passa nas outras? No Chileena Colômbia, dois
paísessempreelogiados pela boa condução da política econô-
mica, pelo respeito às instituições,pelas difíceistransforma-
ções pelas quais passaramessespaíses, estão àbeira do caos
social. Na recentereunião anual da CorporaçãoAndina de
Fomento(CAF)tiveaoportunidadededividirumpainelcom
cientistas políticos desses dois países. Aavaliaçãoque fizeram
foidura. Disseramque tanto Sebastián PiñeranoChile,quan-
to Iván Duque na Colômbiaestãoextremamentefrágeis ante
afrustração da população.Osproblemaseconômicos ede
saúde pública dessespaísesestãosendoatribuídos às falhas de
seusrespectivos governos. Há riscoderevoltassociais, quiçá
piores do que as que testemunhamos em outroano longín-
quo, asegundametadede2019. Detalhe maisdoque impor-
tante: PiñeraeDuquesão de centro-direita,tecnocráticos,
com currículos paraesbanjar. Oque lhes falta? Acapacidade
deconectar-secomopovo. MartínVizcarra,doPeru,também
se enquadra nesse critériodefalta incapacitante.
Haverá eleiçõespresidenciaisno Peru em 2021.Haverá
eleiçõespresidenciaisno Chileem 2021.Odesfechodesses
pleitosmuitodirásobreosrumosdaAméricaLatina.Com
eleitoresfrustradosvítimasda pandemia,da criseedade-
sigualdade,não éirrazoável suporque haja umaguinada
para opopulismo.Nesse caso,aColômbiaserá apróxima
—por lá, há muitos arrependidosde teremvotadono cen-
tristaDuqueenão nos candidatos dos polos.
Apandemia tem oferecidomúltiplasoportunidades
paraque os populistasfaçamaquiloque sabemfazerme-
lhor:encantadoresde serpentes, prometemparaopovo
umavida melhorenquanto garantem seu própriofuturo
políticoaniquilandoaoposição.Seosdemaispaíses da
regiãoolharemnão paraas péssimasliçõesevidentes nas
açõesdo México edoBrasil,mas em comoesseslíderes
foramcapazesde superardesafiosque pareciaminsuplan-
táveis,poderemosvir atestemunharalgo que não énada
raro na América Latina: oretorno dos populistas. Nãoda-
quelesdetraçosmaisleves,comovimosnosanos2000,mas
daquelesque sempre foramresponsáveis,nodecorrerda
história, pelospiores desastres dessapobre região marcada
por oportunidadesperdidasedesperdiçadas.

M.B. [email protected]


MONICADE BOLLE ÉPESQUISADORASÊNIOR
DO PETERSONINSTITUTEFOR INTERNATIONAL
ECONOMICSEPROFESSORA
DA UNIVERSIDADEJOHNSHOPKINS

OESPECTRODOPOPULISMO
NAAMÉRICALATINA

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