Época - Edição 1158 (2020-09-21)

(Antfer) #1

F


iqueidois anosedez mesesrefugiadona
embaixadado Chile.Quandosaíevoltei
paraCaracas,fiqueiimpressionadocomas
filas nos postosde gasolina.Aqui agasolina
era dadaquasede graça.Eu,muitasvezes,
abasteciminhamotosem pagar.Enão por-
que eu era deputado ou um político conheci-
do.Isso aconteciacom qualquer venezuelano.
Hoje nos faltaobásico.Também me impac-
touoabandono da cidade,está tudo muito
descuidado.Otrânsitomudoucompletamen-
te, commenoscarrosnas ruas.Todosos dias
parecemumdomingo de tarde.Fiquei sur-
preso,também, ao ver todasas pessoas com
máscaras.Os venezuelanossabemque se
adoecerem podemmorrer,emrazãoda pre-
cariedadede nossosistema de saúde.
Minhavida dentro da embaixadaera
muito simples.Recebiaalgumasvisitas.Al-
gunspolíticoscomoJuan Guaidó(presidente
da Assembleia Nacional não reconhecida pelo
governoMaduro)foram me ver.Mas era
complicado.Comoestava numa embaixada,
nãopodiafazerpolítica.Via muitas séries,
faziaatividadefísica,eomais importante
era ter umarotina.Isso me recomendouum
presopolíticoque estevequase15 anosdeti-
do.Sem rotinavocêenlouquece.Dependen-
do do dia,tinhareuniões pelamanhã,de-
pois faziaexercício.
Nãoestavaesperandosair.Fiquei saben-
do de minha liberdadecondicional —por-
que aliberdadedetodosos venezuelanosé
condicional —pela televisão.Antes de sair,
entrei numprocesso de medo,incerteza,dú-
vida.Depensarque tudoera umaarmadi-
lha, se me obrigariamaser candidatoounão

(nas eleiçõeslegislativas de dezembro, que
grande partedaoposição considerauma
fraude).Tambémtinhade decidirondemo-
raria.Euentregueimeuapartamento,que
era alugado, quando me refugieinaembai-
xada. Para um jovemde 34 anos comoeu, é
impossível ter casaprópriana Venezuela.
Termineina casa de meupai. Porenquanto,
estou comele.
Ofatodepodersair erecuperarminha
liberdade,mesmoque seja condicional,é
positivo.Mas, se opreçoapagarpor essa
liberdadeera que HenriqueCapriles(líder
opositoreex-candidato presidencial, derro-
tadopor Maduroem2012)decidissedar seu
aval àfraude eleitoralde Maduro, gostaria
de ter sido consultadoantes. Se dependesse
de mim,teria ditoque não.Seaconse-
quênciade nossaliberdadeéque outros
participemda fraude eleitoral, odano é
muito grande.
Ninguémnos procurouparaexplicar
nada.Não sabíamos que nossa liberdade era
partedeumacordo.NaVenezuela não exis-
te Justiça independente,todasasdecisões
são do regime.Quemdecide perseguire
prenderéaditadura. Tive contatocom Sta-
lin González(outrodos quenegociaram com
Maduro)elhe disseque lamentava muito
que tudotivessesidoresolvidodessama-
neira. Se eu quisesse, poderia ter negociado
minhaliberdade oferecendo coisasaoregime
há muito tempo.Oque não teriamme da-
do se eu, em janeiro passado,tivesse respal-
dadoatentativa de golpecontra Guaidóna
AssembleiaNacional?Oque não dariama
LeopoldoLópez(líderopositorquecontinua

porFreddyGuevara
emdepoimentoaJanaínaFigueiredo

Refugiadona embaixadado Chile,
líderopositorvenezuelanoconta como
foi ganharaliberdadedepoisde acordo
costuradopor HenriqueCapriles

VIVI PARA CONTAR 47
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