Época - Edição 1158 (2020-09-21)

(Antfer) #1
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A


Amazônia em chamas,depoisoPantanal,eagoraa
CostaOestedos Estados Unidos.Comodiz aBíblia,
“aquiloque ohomemsemear,isso tambémcolherá”, eo
castigoque estamosrecebendonão énadamais do que o
fruto de décadasdeabusosaomeio ambiente. Nãogosto
de misturar metáforas, mas agravidade da situação justi-
fica: comoarcheio de cinzas, fumaça egasesletais, esta-
mos literalmente provandonossopróprioveneno.
Claroque as conflagraçõesem Califórnia,Oregone
Washington,que já desnudaramumaáreado tamanho
de Sergipe,não provêmde um desmatamento premedi-
tado, tal como na Amazônia.Como os incêndiosno
Pantanal,são manifestações de mudanças climáticas:
temperaturasaltíssimas,deslocamentos de correntes
oceânicas,ventos maisforteseestiagens.Masoimpacto
éigualmente desastroso.“Parece que estoumorandoem
Marte”,me disseum amigoresidente de São Francisco,
que não sai de casahá quaseumasemana.“O céu está
vermelho,cinzasepoeiracaemotempo todo,eoutro
dia ao meio-diapareciameia-noite,de tão escuro.”
Os paulistanosjá experimentaramisso em anosrecen-
tes. Masascifrasproduzidasno noroeste americano são
realmente assustadoras.Normalmente, cidadesasiáticas
comoBeijing sãocampeãsna categoria de pior índicede
qualidade do ar,oAQI. Masnas últimassemanas, Por-
tland, em Oregon, tem alcançadoníveis sem precedentes:
omáximona escalado AQIé500, eoutrodia Portland
chegou a492. Dessejeito,avida éinsustentável.
Ao mesmotempo,nesteannushorribilis,onúmero de
furacõesno OceanoAtlântico está chegandoaumpata-
mar recorde,eestamosassistindoàaceleraçãodo degelo
na AntárticaenoÁrtico.Nasemana passadaforamlança-
dos dois novosestudosimportantes sobreofenômeno.O
primeiroaponta osurgimento de canaisde águaquente
debaixode duasgeleirasenormesna Antártica,enfraque-
cendosua estrutura,eosegundorevelaque no Árticoo
gelo eaneve estãocadavez maiscedendolugaràs águas
abertasechuvas. “Estamoschegandoaoponto ondenão
podemosmais saber oque esperar”, disse aDra. Laura
Landrum,principalautora do segundoestudo.
Sei que numpaístropicalcomooBrasil os PolosNorte
eSul parecemlongínquos,tanto no imaginárionacional
comogeograficamente. Maspara um país que ainda tem
metadede sua populaçãomorando ao longode umacosta

de 8.500 quilômetros,aameaçada subida do nível do mar
éreal. Quandovejo mapas mostrando cidades comoNova
York, Miami eBoston inundadas em 75 anos, automatica-
mente pensoem Rio de Janeiro, Salvador,Recife, Fortaleza
eBelém,entre outras,sofrendoomesmodestino.Eos
portos brasileiros, comoSantos, Tubarão eParanaguá,
aindacontinuariamviáveis se onível do mar aumentasse 1
metro?Meio metro?Ondeestá oponto sem retorno?
Mesmo assim, ainda tem gente,inclusive dirigentesame-
ricanosebrasileiros, que resiste em aceitar ofatodamudan-
ça climática. Quando Donald Trumpfoi visitar aCalifórnia
no começo da semana, ogovernador, um democrata, tentou
convencê-lodeque adevastação nãosedeveaomau manejo
dasflorestas,comoalegam os republicanos, esim “aos fatos
observados”, que mostram que “algoestá acontecendocom
oencanamento do planeta”. Qualfoi arespostadeTrump?
“Bom, não acreditoqueaciência saiba”, replicou. “O tempo
vaicomeçaraesfriar em breve, vocêvai ver.” Éamesmatá-
tica —denegação—que ele usaquandofaladapandemia.

Oque maisme inquietacom
os incêndiosafligindooPantanal
éacausa de sua proliferação.

Aestaçãodas chuvasque terminouem abrilfoi muito
fracaeagoraas águas,evaporandona estaçãoda seca,
estãobaixíssimas,oque contribuiparaas estiagensque
aumentam aprobabilidadede incêndios.Epor que não
choveu?Segundo aNasa, oaquecimentodos oceanos
está desviandoaumidadedo Atlântico Sul paraoAtlân-
tico Norte. Querdizer,amesmamudançaclimática res-
ponsável peloaumento de furacõesno sul dos Estados
Unidos tambémcausa secaseincêndiosno Brasil.
Agrande preocupação éque isso não seja um fenôme-
no passageiro esim um “novonormal” foradenosso con-
trole. Falamos da MãeNaturezacomosefosse umamulher
que podemoscortejar ou manipular.Mas isso não existe.O
que existeéuma conjunçãodebiologia,físicaequímica
que obedece às leisdaciênciademaneiraprevisível.Só
isso. Masnós, seres humanos, temos vontade própria, ese
“a humanidadeestá numa encruzilhada”, comoadvertiu
outrorelatório,daONU,publicadona terça-feira,urge
fazeraescolhacerta.Quetambéméaescolhaóbvia.

L.R. [email protected]


LARRYROHTER,JORNALISTAEESCRITOR,
ÉEX-CORRESPONDENTEDONEW YORK TIMESNO
BRASIL EAUTOR DERONDON,UMA BIOGRAFIA

SOBREPROVAR
OPRÓPRIOVENENO
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