Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

reconhecimento das duas linhagens significa que são ambas aptas a de-
sempenhar o mesmo papel na transmissão dos mesmos direitos e obri-
gações- O individuo pode receber o nome, o estado social, os bens e
as prerrogativas simultaneamente do pai e da mãe, ou indiferentemente
de um ou de outra_ A cada linhagem não é atribuido um papel especial,
tal que se certos direitos se transmitem sempre e exclusivamente em
uma linha outros se transmitem sempre e exclusivamente na outra li-
nha. Ora, este segundo sistema foi observado em numerosas regiões do
mundo, principalmente na Afrlca Ocidental, na Africa do Sul, na fndia,
Austrália, Melanésia e Polinésia. Mas vê-se imediatamente que esta fór-
mula é muito diferente da anterior, parecendo-nos indispensável distin-
gui-Ia na terminologia. Chamaremos os sistemas nos quais as duas linha-
gens são sUbstituíveis, e nos quais podem eventualmente confundir-se para
somar sua ação, sistemas de filiação indiferenciada. Reservamos o nome
de filiação bilinear aos sistemas muito rigorosamente definidos, dos quais
encontraremos exemplos adiante, que se caracterizam pela justaposição
de duas filiações unilineares, cada uma delas governando exclusivamente
a transmissão de direitos de um certo tipo.
Entre filiação unilinear, filiação bilinear e filiação indiferenciada não
há sem dúvida uma parede estanque. Todo sistema possui este coefici-
ente de indiferenciação difusa resultante da existência universal da fa-
milia conjugal. Além do mais, um sistema unilinear reconhece sempre,
em certa medida, a existência da outra linhagem. Inversamente, é raro
encontrar um exemplo de filiação rigorosamente indiferenciada. Nossa so-
ciedade, que foi muito longe nessa direção (herda-se tanto do pai quanto
da mãe, recebe-se a posição social e tira-se prestígio das duas linhagens,
etc.), mantém um desvio patrilinear no modo de transmissão do nome
de familia. [Seja como for, a importância dos sistemas indiferenciados
para a teoria etnológica é hoje certa. Provam que a linha divisória entre
as sociedades tradicionalmente chamadas "primitivas" e as sociedades di-
tas "civilizadas" não coincide com a linha divisória entre "estruturas ele-
mentares" e "estruturas complexas". Entre as sociedades denominadas
primitivas, compreendemos melhor que existam tipos heterogêneos e que
a teoria de alguns deles ainda está por fazer. Reconheçamos, portanto, que
um certo número de sociedades denominadas primitivas prendem-se de
fato a estruturas de parentesco complexas. Entretanto, como este livro
limita-se a tratar da teoria das estruturas elementares, consideramos que
é permitido deixar de lado provisoriamente os exemplos relacionados
com a filiação indiferencíada].
Por outro lado, é menos aos sistemas indiferenciados do que aos
sistemas bilineares que se recorreu recentemente para renovar a inter-
pretação clássica, feita pelo dualismo, do casamento de primos cruzados;
mas o dualismo é desta vez redobrado. A explicação da origem do ca-
samento de primos cruzados pela divisão, atual ou antiga, do grupo em
metades exogàmicas, chocava-se com efeito contra uma séria dificuldade.
A organização dualista explica a dicotomia dos primos em cruzados e
paralelos, e explica por que os primeiros são cônjuges possíveiS e os se-
gundos cônjuges proibidos. Mas não permite compreender por que, como
freqüentemente acontece, os primos cruzados são preferidas a todos os
outros individuas que, como eles, pertencem à metade oposta à do sujeito.
Um homem encontra na metade oposta à sua mulheres que possuem não


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