Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

mental entre o estatuto dos homens e o das mulheres". n O extremo uni-
lateralismo materno dos N ayar não é simétrico do extremo unilateralismo
paterno dos Cafre, conforme o autor também sugere." Não somente os
sistemaS rigorosamente matemos são mais raros que os sistemas rigoro-
samente paternos, mas os primeiros nunca são uma pura e simples in-
versão dos segundos. A "diferença fundamental" é uma diferença orientada.


Vamos nos arriscar, então, a propor uma sugestão fundada sobre as
considerações precedentes, e que oferece talvez a explicação de um sino
guiar fenõmeno, a saber, por que as organizações dualistas são mais
freqüentemente matrilineares que patrilienares? Se estes regimes ofere-
cessem a imagem de rigorosa simetria o problema muito dificilmente
poderia ser resolvido sem que fossem invocadas hipóteses difusionistas.
Mas acabamos de ver que o número das sociedades caracterizadas pela
filiação matrilinear e a residência matrilocal é muito restrito. A alter·
nativa Iimita·se, portanto, aos regimes patrilineares e patrilocais, de um
lado, e de outro, os matrilineares e igualmente patrilocais. É possível
equiparar a estes últimos os casos excepcionais dos regimes matrilineares
e matrilocais, que estão em conflito com a relação assimétrica entre
os sexos. Ora, se o funcionamento dos primeiros levanta poucos pro-
blemas práticos, já o mesmo não acontece com os segundos. Os etnó-
grafos sabem bem disso, porque para eles o estudo de uma sociedade
matrilinear representa a promessa de uma organização social complicada,
rica em instituições singulares, impregnada de uma atmosfera dramática,
muito diferente a este respeito do que se pode esperar de uma sociedade
de direito paterno. Ora, estes caracteres privilegiados - do ponto de
vista do especialista - só em parte se explicam pelas diferenças maio-
res que separam estas sociedades da nossa. Em larga medida, depeno
dem de sua estrutura específica, e não foi por acaso que as monografias
que tiveram grande repercussão tratassem, quase todas, das sociedades
matrilineares.
Porque uma sociedade matrilinear, mesmo patrilocal, sem classe ma·
trimonial, tem de resolver singulares problemas. Sua exogamia só pode
ser de clã localizado ou de aldeia. Isto é, a mulber írá viver na aldeía
do marido, às vezes muito longe dos seus, ao passo que ela mesma e
seus filbos serão sempre estrangeiros no interior do grupo ao qual en·
tretanto se acham associados. Se a sociedade é simultaneamente matri·
linear e matrilocal, de maneira permanente ou temporária conforme às
vezes acontece, o marido pertencerá à classe desprezada "daqueles que
estão ai por força do casamento" ou "homens do outro lado", por opo-
sição aos "proprietários da aldeia", que Ibe farão sempre sentir a pre-
cariedade de seu titulo de residência junto de sua mulber e filbos." É
fácil conceber que, sob a pressão dos conflitos psicológicos e sociais li·
gados a tais sistemas, os grupos afetados por eles resolvam, mais fa·
cilmente que outros, liquidar a oposição entre regra de filiação e regra
de residência pela justaposição local das unidades que participam de
uma troca, os antigos clãs ou antigas aldeias. Citamos uma evolução desse



  1. Ibid., p. 292.

  2. Ibid., p. 295.

  3. R. F. Fortune, Sorcerers 01 DObu, Nova Iorque 1932.


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