Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

classes matrimoniais que estas tenham por fim, ou mesmo como re-
sultado, determinar automaticamente o cônjuge prescrito. O contrário
é mesmo certo, porque uma classe pode conter ao mesmo tempo côn-
juges autorizados e proibidos. É pois em última análise a relação de
consangüinidade que atua no papel principal, enquanto o fato de per-
tencer à classe desempenha, ao menos na prática, uma função secun-
dária. Contudo, isto só é verdadeiro se considerarmos a fase positiva
da escolha do cônjuge. Porque todos os testemunhos concordam em re-
conhecer que, do ponto de vista negativo, a classe desempenha um pa-
pel também importante. A relação de consangüinidade vale mais que a
classe para determinar o cônjuge, mas a violação da exogamia de classe
é considerada pelos indígenas com o mesmo horror que o casamento
com um parente que apresenta uma relação de consangüinidade pros-
crita. Se as classes não permitem ir tão ao fundo do problema quanto
a consideração dos graus de consangüinidade, sua função não é entre-
tanto substancialmente diferente, embora a relação existente entre as
duas ainda deva ser definida.
Mas é a determinação desta relação que levanta um prOblema de
extrema dificuldade. Notamos várias vezes que todo sistema de classe
conduz à dicotomia dos membros do grupo em cônjuges permitidos e
cônjuges proibidos. Em um sistema sem classes, teoricamente nenhum
cônjuge é proibido, exceto aqueles sobre os quais incide a proibição do
incesto. Um sistema de metades exogâmicas não divide somente o grupo
em duas metades, mas divide igualmente todos os homens e todas as
mulheres em cônjuges possíveis e cônjuges ilícitos, divisão que se expri-
me na dicotomia dos primos entre cruzados e paralelos. Um sistema
com oito subsecções, conforme acabamos de ver, diminui ainda uma vez
de metade o número dos cônjuges disponíveis, porquanto opera uma
nova dicotomia entre os primos cruzados de primeiro grau e os primos
cruzados de segundo grau. Mas nada de semelhante corresponde ao sis-
tema com quatro secções. Noutras palavras, se considerarmos somente
a geração do sujeito verifica-se que o sistema de metades divide por
dois o número de cônjuges possíveis, que este número é dividido no-
vamente por dois num sistema de oito subsecções, mas é deixado intacto
em um sistema de quatro secções. Interpretamos este fenômeno mostran-
do que um sistema com quatro secções apelava para duas vezes mais
elementos a fim de definir a posição do indivíduo no grupo familiar.
O efeito da duplicação das classes é portanto anulado pela duplicação
dos fatores.
No entanto, com isso o problema não fica resolvido. Se considerar-
mos não mais os sistemas de classes matrimoniais mas as dicotomias
sucessivas de cônjuges, perceberemos que o processo dícotômico salta
por cima de uma etapa que, entretanto, se mostra logicamente necessá-
ria, a saber, o sistema das metades divide todos os primos do primeiro
grau entre cruzados e paralelos. O sistema de oito subsecções divide os
primos cruzados entre primos de primeiro grau e primos de segundO
grau. Mas deveria haver uma fase intermédia, a divisão dos primas cru-
zados entre matrilaterais e patrilaterais. Porque, assim como há duas es-
pécies de primos, há duas espécies de primos cruzados (filhos do irmão
da mãe e filhos da irmã do pai). Deveríamos, portanto, esperar encon-


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