Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

mal uma observação de Webb que se refere (conforme Elkin suspeitou)
a um cicIo = 6. Todas estas combinações podem se realizar à custa
de uma flutuação estatística da relação entre casamentos normais e ca-
samentos optativos, que não colocará em perigo o equilíbrio do sistema,
desde que em algum lugar se realize uma flutuação estatística igual e
de sentido contrário.
Dito isto, a distinção entre "locaI !ines" e .. descent lines" é ainda
demasiado simplista. Com efeito, é preciso distinguir três coisas: as
"descent !ines" obrigatórias, que são em númerO de 3 + (1); as "descent
!ines" facultativas, que .são em número de 4 - (I), e as "local !ines",
cujo número, sempre variável segundo o lugar e o momento, ignora-
mos, mas que não pOderia ser inferior a quatro, e que (por motivo
da extensão do sistema terminológico) deve ser em regra geral muito
mais elevado.
A segunda censura que me foi feita - a de postular erradamente
a circularidade do sistema - procede de um mal·entendido entre modelo
e realidade empírica. O modelo de um sistema generalizado implica ne·
cessariamente uma certa circularidade, embora esta possa ser simples ou
complexa e assumir formas variadas. Mas a realidade empírica é muito
mais vaga. Entre todos os ciclos de aliança empiricamente observados,
encontraremos uma certa proporção de casos circulares, seja a curto
prazo (em rigor 3, ao menos 4 entre os Murngin por causa da divisão
em metades), seja a longo prazo, e outros que nunca "se 'fecham" por-
que se "perdem". Tudo o que então se exigirá para que o modelo per-
maneça válido é que em conjunto o número dos que se "perdem" em
um sentido seja aproximadamente igual ao número dos que se "perdem"
no outro sentido, de modo que, também negativamente, as perdas se
equilibram. Conforme Leach reconheceu, expliquei amplamente, a propó-
sito dos Katchin, a concepção maleável que se deve fazer da circulari-
dade empírica. Devemos fazer sempre a distinção entre esta e a circu-
laridade teoricamente rigorosa do modelo, quer seja o dos indígenas ou
o dos etnólogos. Quando estabeleço aliás, acompanhando Warner, a ques-
tão da circularidade do sistema Murngin, não se trata, em meu pensa-
mento, de uma circularidade empírica, mas do modelo objetivo de cir-
cularidade por meio do qual os indígenas conceitualizam seu sistema. A
anomalia que, como Murdock e Lawrence, descubro deste ponto de vista
no sistema Murngin, é que o modelo de circularidade aparece claramen-
te no sistema das classes, mas não no sistema terminológico. Demons-
tro que essa anomalia desaparece se introduzirmos a hipótese da alter-
nância de ordem estatística entre casamento normal e casamento optativo.
Por conseguinte, não somente adiantei-me aos meus críticos estabe-
lecendo a distinção entre as "descent lines" e as "local lines", e mos-
trando que uma das duas categorias não devia exceder 4 termos. Ante-
cipei ígualmente a solução da controvérsia ulterior entre Leach e Berndt
sobre o número exato (para um 4, para o outro 3), mostrando que 4
linhas podem analisar-se em 3 fixas e 1 móvel, sendo que somente 3
têm existência objetiva, e a escolha da quarta é função da particular
perspectiva em que se situa Ego.
Pretender que um sistema de casamento matrilinear não é necessa-
riamente circular, ao menos em teoria, conduziria a afirmar que um ci-
clista cujo guidom estivesse sempre virado no mesmo sentido não


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