Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

Mas entre os Laierdila são somente os quatro grupos P, Q, R, S, que
são objetivamente designados. O fato dos pares de subsecções serem
tratados como unidades não implica de modo algum que esta unidade
seja percebida como unidade de um par. Nada na análise de Sharp, em
todo caso, justifica tal conclusão. Será possível, contudo, esperar ver
a noção de subsecção constituir-se, na medida em que prosseguir com
êxito a conversão do sistema à formula Aranda. O ponto importante
acha·se em outro lugar. O sistema Mara, até mais amplas informações,
não deve ser cons'iderado como um sistema Aranda que perdeu alguns
de seus caracteres superficiais, mas como um sistema original e hetero-
gêneo, ao qual estão sendo progressivamente impostos caracteres Aranda.
Os grupos aberrantes do sul da Austrália confirmam, da mesma ma-
neira que os do norte, este modo de ver?


Os Arabana reconhecem três linhagens, a do pai do pai (classifica-
do com o irmão da mãe da mãe), a do irmão da mãe do pai e a do
pai da mãe. O fato do pai do pai ser classificado com o irmão da mãe
da mãe, enquanto o irmão da mãe do pai se distingue do marido da
mãe da mãe, sugeriria um sistema primitivo de casamento com a filha da
irmã do pai." Os indigenas negam energicamente que alguma forma de
casamento entre primos cruzados tenha sido praticada, ao contrário das
indicações dadas outrora por Spencer e GiIlen.'· Contudo, os esposos
dos fÍlhos continuam a ser identificados com os filhos da irmã, equação
típica de um sistema fundado sobre o casamento dos primos cruzados.
Para complicar a situação, Spencer e GilIen tinham notado uma iden-
tificação términológica: irmã do pai = mãe do pai, que Elkin não con-
seguiu encontrar, embora um uso do mesmo tipo exista sempre entre
os Yaralde e os Ungarinyin.'· A identificação de parentes pertencentes
a duas ou mais gerações consecutivas, como veremos, é característica dos
sistemas fundados sobre o casamento com a filha do irmão da mãe, e a
nomenclatura Arabana conserva ainda hoje certas assimetrias que são a
marca deste sistema. Assim, embora o pai do pai seja identificado com
o irmão da mãe da mãe como kadnini, suas respectivas linhagens são
designadas por termos diferentes, e mesmo acontecendo com a mãe da
mãe e a irmã do pai do pai. Embora a terminologia só reconheça três
linhagens, as regras do casamento e da filiação distinguem portanto qua-
tro. O fato do sistema atual estar "desmoronado" e "em período de tran-
sição" 10 não permite recusar completamente as indicações de Spencer
e Gillen. A identificação da irmã do pai com a mãe do pai sugere que
as três linhagens teriam sido primitivamente matrilineares, como são,
ainda atualmente, os clãs totêmicos na parte noroeste da Austrália me-
ridional. Uma estrutura de casamento com a filha da irmã do pai e
filiação matrilinear seria do tipo ilustrado pela Figura 37, na qual facil-
mente se encontram as três linhagens elementares e que permite com-



  1. A. P. Elkin, Kinship in South Australia, op. cit., p. 441 e 448.

  2. B. Spencer e F. J. Gillen, Native Tribes Df Central Australia, p. 59·68.

  3. [Needham, "Patrilateral Prescriptive Alliance and the Ungarinyin", Southwestern
    Journal Df Anthropology, vol. 16, n. 3, 1960, p. 285, n. 33) protesta contra esta afir-
    mação. Ora, não digo "o mesmo uso" mas "um uso do mesmo tipo", a saber, o
    emprego de uma terminologia conseqüente para designar mulheres pertencentes à
    mesma linhagem e de dois nfveis de geração diferentes. Na verdade, não sou eu,
    e sim Elkin, que aproxima - com razão - o caso citado entre os arabanas da
    terminologia dos iaraldes e dos ungarinyins (Elkin, Kinship in South Australia, p. 438)].

  4. Ibid., p. 446·447.


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