Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

mando-se desta maneira, o sistema passa da troca generalizada à troca
restrita. O casamento com a prima cruzada unilateral ou bilateral toro
na·se impossível e cede o lugar ao casamento obrigatório entre filhos
de primos cruzados. A alternância dos termos corresponde à alternância
das fórmulas matrimoniais. O par que trocou a neta reproduz o da avó.
Finalmente, os termos característicos de uma mesma linhagem matrili-
near podem aparecer em duas linhagens patrilineares distintas, uma vez
que cada linhagem faz a troca segundo duas fórmulas diferentes.
Por conseguinte, propomos a seguinte seqüência para explicar os
atuais caracteres do sistema Dieri: um sistema arcaico com quatro li-
nhagens matrllineares e matrilocais fundado sobre a troca generalizada
(casamento com a filha do irmão da mãe); adaptação a um sistema Ma-
ra-Anula; sistema atual. Sem dúvida esta seqüência é inteiramente hi-
potética, mas é a única que permite compreender as anomalias do sistema
e explicar todas elas. O sistema Dieri, portanto, não é uma modalidade
do sistema Aranda. É um sistema específico, cujas semelhanças com o
sistema Aranda resultam de um fenômeno de convergência.
No capítulo XXIII encontraremos uma incidente verificação de nossa
hipótese, pela interpretação semelhante (mas capaz de demonstração di-
reta) que daremos do sistema Manchu. Os sistemas Manchu e Dieri
diferenciam·se consideravelmente por vários aspectos, mas ambos são siso
temas de troca generalizada que se converteram à troca restrita. A se-
melhança de suas respectivas evoluções desenvolveu certos caracteres
curiosamente comuns. Assim, não é possível deixar de ficar impressio-
nado ao ver os Dieri apelarem, para determinar uma relação de paren-
tesco, para vários termos da nomenclatura, tratados como indicadores
de geração e de colateralidade. "O termo para designar filho do filho
do irmão da mãe da mãe pode ser dado como yenku, kanini, ngatata
(isto é, pai do pai - irmão da mãe da mãe - irmão mais moço)":3J
Veremos que este procedimento constitui a base da terminologia Man-
chu. Estudando o sistema Manchu encontraremos o mesmo problema
dos indicativos lineares, reaparecendo, como os termos Dieri yenku, kami,
nadada e kanini, em linhagens patrilineares diferentes, de tal modo que
seremos o brigados a designá-los não como nomes de linhagens mas co-
mo indicativos da série linear, isto é, termos aplicados a segmentos de
linhagens diferentes. Em ambos os casos a interpretação do fenômeno é
a mesma, isto é, linhagens integradas em um sistema de troca genera-
lizada que devem ser recompostas em forma de mosaico em uma es-
trutura de troca restrita, de tal modo que cada linhagem do novo sistema
compõe-se de pedaços de várias linhagens do antigo. A semelhança vai
tão longe que nos dois sistemas encontramos certas relações de paren-
tesco expressas por dois indicativos de séries lineares diferentes justa-
postas. Assim, em Dieri, yenku, kanini (fikanini pai do pai" = irmão
mais velho) para filho do filho do irmão da mãe da mãe, e em Manchu
nahundi e$kundi ("nahundi Irmão") para filho do filho do irmão da mãe
do pai. U


As analogias com o sistema Manchu não se limitam ao exemplo dos
Dierl. Encontram-se outras, igualmente impressionantes, em certos siste-



  1. A. P. EIkin, op. cit., p. 56.

  2. Cf. p. 442.


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