Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

,


l


formulam então monstruosas pretensões sobre o preço. O acordo só é
obtido depois de todo este regateio ritual." Os inumeráveis pagamentos
de que os Haka Chln e os Lakher oferecem exemplos tão impresslo·
nantes parecem estipulados para impor a idéia de que o fio, disposto
desde toda a eternidade para guiar a noiva para o noivo, o mayu ni
para a dama ni, pode romper·se a qualquer momento (e, no mito da
criação, a Irmã é ela própria um novelo de linho, que, desenrolado,
cria o caminho que conduz aos países longlnquosl. A noiva e seu cor·
tejo hesitam a cada obstáculo, em cada etapa do caminho; vão renunciar,
voltar. Assim, o cortejo reclama presentes ao chegar ao altar da aldeia
do noivo, depOis à casa de um kasa (agente matrimonial), depois à
casa conjugal. Os pais da noiva procuram impedir o sacrificador de
cumprir sua função, arrancando· lhe seus sabres um depois do outro,
etc... A viagem é uma sucessão ininterrupta de momentos crltlcos, que
somente pagamentos repetidos conseguem sobrepujar. E conseguirão sem·
pre? Mesmo depois do casamento, durante dois ou três anos, diz Gilho·
des, a moça permanece com os pais e só faz visitas ao marido. Somente
graças a uma pressão Incessante é que os dama ni a obrigam finalmente
à residência. ai E depois desse momento, "ao menor pretexto ... J a mu-
lher foge para a casa dos pais, que naturalmente tomam o partido dela,
e a abrigam até que os dama ni manifestem melhores sentimentos com
respeito a ela"... Entre os Haka Chln se uma moça casar-se fora de sua
aldeia, o marido deve encontrar, em sua própria aldeia, uma casa para
o pai e o irmão de sua noiva. O proprietário da casa comerá um porco
oferecido pelo noivo, e por motivo deste gesto será adotado como parente
masculino, ou mesmo comO innão, da noiva, "e esta virá procurar re-
fÚgio na casa dele se brigar com o marido, e ele cuidará dela em caso
de doença", U
A mulher permanece portanto sempre colocada sob a proteção de
sua famllia, que a qualquer momento pOde chamá·la para junto dela.
Se o marido quiser recuperá·la terá de pagar uma indenização, e enquanto
não estiver quite só tem direito de acesso sexual à sua mulher em regime
de residência matrilocal. '" Este fato, juntamente com outros (tais como
a retenção do filho pela famllia da mulher em caso de não pagamento
do preço), mostra que o preço da noiva refere·se menos aos direitos
sexuais (que são exclusivamente função, no regime de grande liberdade
pré-marital praticada pelos Katchln, dos graus preferenciais), do que à
perda definitiva da mulher e de sua progênie. A prova está no regime
dos casamentos por meio de rapto (tanJ. Se o casal tem filhos antes
da situação ter sido regularizada pelo pagamento do preço da noiva, os
filhos pertencerão ao irmão da mulher ou ao parente masculino mais
próximo." É notável, em geral, que um irmão parece exercer sobre a
irmã um direito igual, quando não superior, ao do pal. A mulher vai
preferentemente procurar refÚgiO na casa do irmão.


  1. Gllhodes, op. clt., p. 214-216.

  2. Carraplet, op. clt., p. 33-34.
    2'1. Gllhodes, op. clt., p. 221.

  3. Ibld., p. 226.

  4. Head, p. 4.

  5. Head, p. 18.
    3!. Para os katchlns, Gllhodes, p. 219-220, e pera os Haka ChIn, Head, p. 18.


305

Free download pdf