Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

Mas o casamento por troca dos Gilyak é sempre um casamento não
ortodoxo, ou seja, implica o abandono de uma antiga aliança. Por esta
razão uma parte do kalim cabe de direito ao clã axmalk, isto é, àquele
em que se tinha o hábito de procurar mulher. O kalim é recebido pelo
irmão da noiva, mais raramente pelo pai, "e às vezes o pagamento é
efetuado de maneira mais surpreendente. Uma irmã caçula é entregue ao
irmão da mãe ou uma própria filha é dada ao irmão da mulher, para
que estas pessoas recebam também um kalim... Além disso, se a mãe
tem vários irmãos e se um sobrinho tem várias irmãs dá-se urna irmã
a cada tio". <; Encontram-se aí notáveis anomalias com relação ao sistema,
porque a filiação é patrilinear, não existindo casamento patrilateraJ. Stem·
berg interpreta estas anomalias como uma sobrevivência de um regime
matrilinear ou de um antigo casamento entre primos cruzados bilaterais.


Estas singularidades não são exclusivas dos Gi1yak, encontrando·se
ao menos o equivalente delas entre seus vizinhos, os Gold do Amur.'-
Aí, uma mulher não pode casar-se com o filho do irmão de sua mãe,
porque seria "fazer voltar o sangue da mãe ao seu clã". mas um homem
pode perfeitamente casar·se com a filha do irmão de sua mãe. Assim,
o clã matemo, que já lhe deu seu sangue, continua a oferecer sangue
fresco e da mesma origem a seus filhos. Não seria possível exprimir com
mais força e nitidez o princípio da troca generalizada." Tal como os
Gilyak, os Gold têm portanto um sistema de casamento assimétrico.
E impossível casar·se com a filha da irmã do pai, uma vez que o sangue
da mãe não pode retornar ao clã, ao passo que uma mulher. casando-se
com o filho da irmã de seu pai, apenas continua o comportamento de
sua tia. Os Gold aliás não possuem termos especiais a não ser para os
primos matrilaterais, enquanto que os primos patrilaterais parecem con-
fundir-se com os irmãos e irmãs. 'OI Será preciso, como faz Lattimore,
admitir que estas regras são de origem chinesa? Poderemos Chegar a
ter uma idéia a este respeito lendo os capítulos seguintes. Seja como for,
os Gold reivindicam a posse delas e, diz Lattimore, os Manchu fazem o
mesmo, afirmação que cria um singular problema, conforme se verá
no capítulo XXIII. Mas, seja qual for a exatidão das regras do casamento
GOld, encontramos entre os indígenas indicações que apresentam o pro-
blema do casamento bilateral nos mesmos termos empregados pelos Gi·
lyak. Lattimore recolheu·os dos chineses em forma lendária. Os GOld,
dizem eles, oferecem primeiramente uma jovem ao irmão da mãe, e so-
mente se este a recusar é que um outro casamento pode ser considerado.
Isto é feito em comemoração de um mito no qual entra em cena uma
mulher raptada por um urso, com o qual tem uma filha. O irmão dessa
mulher descobre-a, mata o urso e liberta-a, juntamente com sua filha,
casando-se com esta. Encontramos o mesmo tema na Mandchúria. oI Em
outra ocasião um chinês teria dito a Lattimore: "O senhor sabe, os
tártaros oferecem sempre inicialmente suas filhas ao irmão da mãe.



  1. Sternberg, p. 256.

  2. Owen Lattimore. The Gold Tribe "Fishkin Tatars" of the Lower Sungari, Me-
    moirs of the American Anthropological Association, vol. 40, 1933.

  3. As lendas gold falam dos "homens dos três clãs" (Lattimore. p. 12), suge-
    rindo assim organizações tripartidas. Comparar com a "terra dos três clãs" entre os
    wares (cf. p. 314).

  4. Lattimore, p. 49 e 72.

  5. Cf. capo XXIII.


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