Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

mãe. O termo é também utilizado para designar uma pessoa especial·
mente escolhida como protetora ou guardião", 58 o tio materno recebe
uma parte do preço da noiva, o pushum, que pode equivaler a um bú'
falo. '"' Os Kohlen vão ainda mais longe, pois o preço da noiva é excluo
sivamente entregue à mãe, aos irmãos e ao tio matemo, ficando o pai
completamente omitido. Shakespear levanta a este respeito a mesma ques·
tão que Sternberg fizera a propósito dos Gilyak: "Será uma sobrevivência
do direito materno?" ,'~


Da mesma maneira, Mills interpreta as relações especiais com o
irmão da mãe entre os Rengma Naga como uma sobrevivência matri·
linear. Brigar com um tio materno é o maior de todos Os pecados. "um
tio materno é como um Deus". dizem os indígenas. Pode explorar seus
sobrinhos e sobrinhas, despojá·los dos bens móveis, torná·los doentes
por efeito da maldição lançada contra eles." Uma parte do preço da
noiva destina-se ao tio materno. É pago depois de consumar-se o casa-
mento, e exige, por parte do beneficiário, uma contraprestação em forma
de um presente de carne. Se o matrimônio é estéril, será oferecido ao
tio um presente suplementar, porque se jUlga que o tio é capaz de imo
pedir a sobrinha de conceber. ~o Os Sema Naga conhecem a mesma proi-
bição entre o tio materno e seus sobrinhos e sobrinhas. Quando a so·
brinha se casa há troca de presentes, o tio dá um presente à sobrinha
e recebe do marido desta um donativo em retribuição."
Vê·se, por estas poucas indicações, que o papel de protetor ou de
dominador, exercido pelo tio materno, e o direito muitas vezes prefe.
rencial ao preço da noiva, encontram-se com caracteres idênticos em todos
os sistemas simples de troca generalizada que examinamos. Não seria,
pois, uma curiosidade peculiar a este ou àquele grupo, explicável por sua
história particular. Achamo·nos em face de um grande fenômeno estru·
tural, que só pode ser explicado em termos gerais: embora, em um sis-
tema de troca generalizada, A seja devedor exclusivamente com relação
a B, do qual recebe suas esposas, e, pela mesma razão, B em relação a C,
C em relação a n, e n em relação a A, por ocasião de cada casamento
tudo se passa como se B tivesse também um crédito direto com relação
a n, C com relação a A, n com relação a B e A com relação a C. " O fato
de pelo menos entre os Gilyak este segundo crédito ser pago em mulhe-
res sugere que é do mesmo tipo do primeiro.
Na maioria dos sistemas de troca generalizada do sul da Asia, este
fenômeno é acompanhado por um outro, simétrico dele. Referimo·nos
ao papel desempenhado pela irmã do pai, pela linhagem do marido e de


  1. The Lushei Kuki Clans, p. XXII.

  2. Id., p. 49.

  3. Id .• p. 155.

  4. J. P. Mills, The Rengma Nagas, p. 137-138. Dai, sem dúvida, o provérbio: "Que
    o tio morra primeiro, depois eu procurarei o diabo" (R. P. Gurdon, Some Assamese
    Proverbs, op. cit., p. 70-71>-

  5. Mills, The Rengma Nagas, p. 208.

  6. J. H. Hutton, The Sema Nagas, p. 137.

  7. [O que pode haver de correto na confusa hipótese de Lane ("Structural Con·
    trasts between Symmetric and Asymmetric Marriage Systems: a Fallacy", Southwestern
    Journal of Anthropology, 1, 1961) encontra-se já expressamente formulado nessa pa~·
    sagem, que se tivesse sido lida por este autor lhe teria poupado certo~ aborrec~.
    mentos (cf. Leach, "Asymmetric Marriage Rules, Status Dtlference and Dlrect ReCI·
    procity: Comments on an Alleged Fallacy", Southwestern Journal Of Anthropology, 4,
    1961)].


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