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dade e o casamento preferencial é outro meio, sendo idênticos os resul-
tados. É possível dizer que numa sociedade onde se pratica o casamento
com a prima cruzada bilateral tudo se passa como se estivesse em vigor
um sistema de quatro classes, mas daí não resulta de modo algum que
os cônjuges possíveis sejam efetivamente distribuídos em quatro classes,
quer possuam nome quer não. A existência de um sistema de classes
não pode nunca ser postulada a partir de seus efeitos, pois efeitos seme-
lhantes podem sempre ser obtidos de outra maneira. Os especialistas da
sociologia australIana estão familiarizados com este problema.
Granet tinha uma intuição sociológica demasiado fina e penetrante
para não ter ao menos entrevisto este fato. Se sua critica da termino-
logia tradicional do casamento dos primos cruzados está inteiramente
imbuída do equivoco que acabamos de mencionar, contudo por momentos
ele parece ter percebidO nitidamente o problema. "As categorias são de-
finidas em termos que designam ... relações", e também: II estes termos
indicam menos classes de indivíduos do que categorias de relações". Por
isso propõe falar de categorias e não de classes. Mas ::J.ue resta da dis-
tinção quando se definem as categorias como grupos techados? "Diremos,
portanto, que as comunidades chinesas parecem ter sido antigamente gru-
pos techados divididos em quatro categorlas (matrimoniais)"." No con-
junto, a obra mostra bem até que ponto Granet é dominado pela teoria
das classes. Sua critica da noção de "primo cruzado" U não tem razão,
justamente porque consiste em interpretar em termos de lógica das
. classes umà noção que está ligada à lógica das relações. Classes ou ca-
tegorias, pouco importa. O fato importante é que a sociedade primitiva
regulamenta as trocas matrimoniais, ora pelo estabelecimento de classes
ou categorias ora pela definição de relações de parentesco dotadas de
valor preferencial. Os dois métodos podem conduzir a resultados equiva-
lentes. Na ausência de documentação externa é impossível, entretanto,
remontar do resultado, dado ou inferido, ao método efetivamente utili-
zado. Um exemplo servirá para ilustrar o nosso raciocinio. É possível
ter razões sérias para supor que uma popUlação desaparecida entregava-se
a um culto religioso. Daí não se poderia concluir que esta população
.construísse templos, a menos que um arqueólogo tenha trazido à luz
traços de edifícios. Porque um templo é um meio de exercer um culto,
mas não o único possível. Da mesma maneira, entre os chineses, Granet
descobre vestígios que tendem a sugerir casamentos de um certo tipo.
Isto é inteiramente insuficiente para deduzir a existência de instituições
preCisas que admitam o tipo de casamento em questão, porque este pode
realizar-se por outros modos, diferentes destas instituições.
Este mal-entendido comprometeu gravemente a influência que as idéias
sociológicas de Granet deveriam com razão exercer. Suas críticas fre-
qüentemente foram exacerbadas pela tendência a falar de certas insti-
tuições chinesas hipotéticas (sistema com quatro classes, sistema com
oito classes) como se fossem realidadés objetivas, quando nada, nos do-
cumentos disponíveis, comprovava a existência delas. Muitos autores con-
cluíram que o trabalho de Granet era pura fantasia." Isto vem a ser
14. Idem, p. 169-171.
15. Idem, p. 166-168.
16. Cf. capo seguinte.
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