Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1
umas das outras - formavam uma dinastia de "tias" (irmãs de pais) e
de "sobrinhas" (filhas de irmãos). Tanto do lado "mulheres" quanto do
lado "homens", é possível definir por uma fórmula agnática as proximi_
dades das pessoas destinadas a viver na mesma terra por motivo de
casamentos governados por uma convenção que parece formulada em
termos de relações uterinas. '" Foi partindo deste regime de transição que
se tornou possível o desenvolvimento das instituições agnáticas, que só
mereceram este nome quando as dinastias masculinas dos pais de família
conseguiram (contrapondo-se ao princípio da invariabilidade das alianças)
romper a unidade das dinastias femininas de "matronas", a princípio
ligadas entre si - tal como os "pais" - por vínculos que podiam ser
formulados em termos agnáticos. Mas, por ela mesma, a organização que
se traduz por uma divisão em oito categorias não atribui (assim como
também não a organização que se exprime pela divisão em quatro ca-
t.egorias) nenhuma primazia à filiação quer agnática quer uterina". ~"
Este texto é espantoso sob vários aspectos. Verificamos nele primei-
ramente que o sistema de oito categorias logo depois de constituído
parece dissolver-se em um sistema de quatro categorias, onde, conforme
tínhamos sugerido acima, '" uma diferença de coesão substitui a dife-
rença de complexidade atribuída arbitrariamente ao regime das trocas
adiadas, em lugar de se acrescentar a ela, segundo Granet ainda sustenta. "
Em segundo lugar, a noção de filiação unilateral, muito profundamente
criticada por Granet por não representar um fenômeno primitivo, perde,
por assim dizer, toda espécie de realidade, reduzindo-se ao papel de
convenção retrospectivamente aplicada, quando não simplesmente inven-
tada. Comecemos por examinar este último ponto.
Uma contribuição essencial de Granet à teoria geral do parentesco
consiste em ter mostrado que as regras do casamento não dependem da
noção de filiação unilateral, mas são logicamente, e sem dúvida também
historicamente, anteriores à sua constituição. O princípio fundamental é
o da circulação regular das prestações matrimoniais entre grupos. Até
aí tudo está certo. Mas, quando procuramos definir os grupos e as
relações que os unem, somos obrigados, para garantir a permanência
e a identidade substancial desses grupos através das flutuações de sua
composição individual, a definir os membros deles em função de sua
dependência, isto é, a determinar um modo de filiação que pOde ser indi-
ferenciado, unilateral (neste caso ou patrilinear ou matrilinear) ou bila-
teral (isto é, no qual cada indivíduo será designado ao mesmo tempo
por uma referência patrilinear e por outra matrilinear). A noção de filia-


  1. Idem, p. 210.

  2. Idem, p. 211.

  3. Granet não foi o primeiro a lembrar esta dificuldade: "A fórmula ignora
    todos os vínculos em linha materna. A filha do tio materno pertence à secção exógama
    de seu pai, sendo por conseguinte um possível cônjuge para um homem da secção
    para a qual passou a irmã de seu pai, para o filho da irmã de seu pai. Esta in·
    terpretação pode ter origem na completa identificação da mulher com a secção
    exogâmica de seu marido. O parentesco não pode ser traçado per capita e per stirpes,
    senão pelos dois métodos ao mesmo tempo". (Hodson, Notes on the Marriage ... ,
    op. cit., p. 174). Nada é mais falso do que a idéia segundO a qual, em um regime
    de troca generalizada, os laços jurídicos, sociais e psicológicos entre uma mulher
    e sua linhagem sejam abolidos (cf. capo XVIII, p. 353ss).

  4. Catégories, p. 214·215.

  5. Cf. capo XIII.

  6. Catégories, p. 215.


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