Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

ção é uma noção derivada, admitamos. Masl desde o momento em que
é elaborada, existe." Ora, é impossível que não seja elaborada (porque
neste caso o equilíbrio das trocas matrimoniais não poderia mais ser
mantidol. Para cada grupo determinado, aquela noção é elaborada de
acordo com um certo tipo, que, desse momento em diante, possui uma
existência tão real quanto a própria noção.
Admitamos poisl como quer Granet, que a origem do sistema de
quatro classes encontra·se não em uma concepção unilateral da filiação,
mas nas exigências estruturais de um sistema de prestações e de contra·
prestações entre os grupos. Nem por isso deixa de ser verdade que ao
elaborar um sistema de quatro classes é preciso apelar para uma dupla
dicotomia patrilinear e matrilinear, uma referente à residência e outra
ao nome. Este ponto foi desenvolvido no capítulo XI, a propósito do
sistema Kariera. No caso particular da China o próprio Granet insistiu
várias vezes sobre a probabilidade da transmissão da residência em linha
materna (maridos-genros, culto do terreno, etc.) o que implica, também
de acordo com Granet, a transmissão patrilinear dos sing, isto é, das
denominações clânicas.
Noutras palavras, o sistema de quatro classes, cuja reconstituição
Granet propõe para a antiguidade chinesa, é formalmente de tipo Kariera
(regime desarmônico de quatro classes) mas materialmente inverso (gru·
pos matrilocais e metades patrilinearesl. Isto, uma vez admitido, está
dado definitivamente, e deve subsistir objetivamente através de todas as
transformações ulteriores. Será talvez uma convenção, mas que é fun·
dada na estrutura do grupo social a partir do momento em que é ins-
taurada, e que portanto não pode ser considerada como "detalhe". '"
Nestas condições, seria um sistema composto de dois grupos matri·
locais e de duas metades patrilineares que encontrariamos na origem
do suposto sistema de oito classes. Como então se faz a transformação?
:E preciso" apelar para quatro grupos matrilocais ("categorias" de Gra-
net) e duas metades patrilineares ("pares" de Granet). Ou as coisas
aconteceram efetivamente desse modo ou não aconteceram de maneira aI·
guma. Mas transformar, conforme Granet tenta, os quatro grupos ma·
trilocais em quatro grupos patrilocais, a pretexto de podermos mudar de
convenção, é confundir uma manipulação ideológica com a evolução bis·
tórica, cujas etapas são rigorosamente condicionadas por um estado inicial
objetivamente dado. Tal modificação é concebível, sem dúvida, mas so-
mente como término de uma revolução que substitui um regime harmônico
(grupos locais e metades patrilineares) ao regime desarmônico anterior.
Teoricamente é possível que esta revolução tenha ocorrido, mas só po·
deria fazer-se pela passagem de um sistema de troca restrita com quatro
classes a um sistema de troca generalizada igualmente de quatro classes.
Mas então toda a hipótese das oito classes desmoronaria ao mesmo tempo.
Esta hipótese com efeito está conjugada com a de uma evolução por
composição e não por substituição.,
Procuremos traduzir o sistema das oito classes representado na Fi-
gura 57 em termos de dinastias agnáticas (Figura 58).



  1. Cf. capo VIII.
    43. Granet. Zoc. cito
    44. Cf. capo XI.


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