Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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ao passo que o casamento com a filha da irmã do pai é considerado
repugnante, e às vezes mesmo Ilegal." Todos os informadores do norte
da China, interrogados por Hsu, condenam o casamento com a prima
patrilateral por equivaler ao "retorno do osso e da carne", fórmula que
será comentada em outro lugar." Hsu procura interpretar a preferência
pela prima matrilateral. Admite a existência arcaica do casamento entre
primos cruzados bilaterais e o desenvolvimento do tipo unilateral por
influência de certos fatores desfavoráveis à fórmula anteríor, a saber,
crescente predominãncia da relação entre pai e filho, desenvolvimento do
culto ancestral, etc. Embora Hsu acentue que sua hipótese funda-se em
outros fatos e apóia-se em outra argumentação diferente da utilizada por
Granet, é obrigado contudo a reconhecer que é a mesma." A hipótese é
menos importante que os fatos. Mas estes devem incluir-se no quadro
das leis gerais de estrutura dos sistemas de parentesco tais como atê
agora temos podido depreendê·las.
Os dois sistemas em questão (casamento com a prima cruzada bila-
teral e casamento com a filha do irmão da mãe) correspondem às duas
fórmulas elementares de troca restrita e de troca generalizada. Lembramo-
nos que uma e outra podem aparecer, por um desenvolvimento normal,
partindo de uma divisão primitiva do grupo em metades exogâmicas. Mas
sabemos igualmente que a troca restrita não pode manter-se numa es-
trutura mais complexa a não ser que esta se caracterize por um regime
desarmõnico. Se a estrutura original, ou as que se lhe seguem, estão
submetidas a um regime harmõnico, o sistema nâo pode desenvolver·se
em complexidade a não ser sob a condição de passar à troca generalizada.
Aplicadà~ à China, estas considerações significam, primeiramente, que um
sistema de casamento bilateral pode evoluir para um sistema de casa-
mento unilateral. Mas esta evolução só é concebível se a estrutura ini-
cial era desarmônica, isto é, patrilinear e patrilocal, ou matrilinear e ma·
trilocal. Observemos imediatamente que estas condições tornam muito
duvidosas, senão mesmo inadmissíveis, a hipótese segundo a qual o casa-
mento com a filha do irmão da mãe teria podido sair de um sistema de
gerações alternadas, assim como uma forma mais complexa surge de
uma forma mais simples. Um sistema de gerações alternadas, com efeito,
é por definição expressão de um regime desarmônico. Está claro que o
casamento bilateral não implica um sistema de gerações alternadas, em·
bora - deixando de lado o casamento patrilateral - a relação inversa seja
verdadeira.
O casamento com a prima cruzada matrilateral, postulado por Granet
e verificado por Hsu, não pôde portanto desprender-se de um sistema de
metades, a não ser que estas na origem fossem harmônicas, em linha
paterna ou em linha materna. Granet acumulou indícios, que não são
decisivos, mas oferecem certo coeficiente de probabilidade, em favor de
um elemento matrilinear na família chinesa arcaica, que teria desaparecido
numa data bastante antiga, dando lugar a um sistema puramente patrili-
near. Se o casamento matrilateral historicamente sucedeu ao casamento
bilateral, é preciso então admitir que a família arcaica não era somente


  1. L1n, Kinship System of the LOlo, op. cit., p. 94.

  2. Cf. capo XXIII e XXIV.

  3. Hsu, op. cit., p. 101 e p. 191, n. 64.


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