Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

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devia ser inteiramente voluntária, não podia ser solicitada, porque não
era concebível pedir os filhos de outrem para desempenhar o papel pouco
honroso de yin ". ,,, O costume do casamento com a filha do irmão mais
velho da mulher desaparece no século IH aC, e o Código dos T'ang,
promulgado durante o período 627-683 dC, consagra a proibição dos ca-
samentos entre membros de gerações diferentes." Os comentadores an-
tigos parecem ter explicado diversamente o privilégio relativo à sobrinha
da mulher, e Granet e Fêng mantêm interpretações diferentes. "Três
filhas, lembra Granet, formam um "tesouro" porque "três" na China
vale o total... Por conseguinte vale mais... acrescentar. para fazer um
lote de três, uma de suas sobrinhas às duas irmãs permitidas".'K Sem
isso haveria o risco de privar um aliado de todos os meios de aliança
de que dispõe a geração presente, o que constituiria uma "utilização indis-
creta das práticas compensadoras".'" Segundo os comentadores citados
por Fêng, o casamento com a sobrinha da mulher teria por finalidade
garantir ao senhor feudal numerosa descendência. "Uma sobrinha, melhor
do que uma segunda irmã mais moça, era incluída no lote de yin, a fim
de introduzir um sangue diferente, do qual se pudesse esperar um filho
se as duas irmãs fossem destituídas de posteridade". "" Esta interpretação
funda-se no Pai hu t'ung, obra atribuída a Pan Ku, que viveu entre 32
e 92 dC." É curioso notar, numa época tão tardia, uma interpretação
tão decididamente matrilinear, porque é pela mãe somente que a filha
do irmão pode diferenciar-se de suas tias. Seja como for, as causas in·
vocadas pór Granet e por Fêng são evidentemente racionalizações. Fêng
pode realmente notar que nenhum caso de casamento com a filha do
irmão dá !llulher foi assinalado desde o começo dos Han ocidentais (206
dC) e acentuar que alguns especialistas suspeitam que o uso das yin
foi uma invenção dos letrados da época Han. "" O costume tem demasia-
dos paralelos em outras regiões do mundo e coincide demasiado bem
com outros caracteres da sociedade chinesa arcaica para que deixemos
de tratá-lo como um fenômeno de estrutura fundamental do sistema
estudado.
Ora, é isto o que não fazem - por motivos aliás diferentes - nem
Granet nem Fêng. A preocupação de Granet de ordenar todos os fatos
com relação a uma série evolutiva e de fazer surgirem as formas com-
plexas (ou o que considera como tais) das formas Simples (ou que
considera como tais), leva-o a desprezar completamente o caráter objeti-
vamente arcaico do casamento obliquo. Este não se inclui em seu sistema
a não ser como um momento de uma evolução já longa, na realidade
colocado quase no fim desta evolução, cuja início e florescimento perdem-
se, para ele, na noite dos tempos. Com isso, o período feudal aparece
como um fenômeno tardio, quase recente, precedido por uma longa era


  1. Fêng, The Chinese Kinship System, p. 187-188. - Cf. também Granet, La
    POlygynie sororale et le sororat dans la Chine jéodale, Paris 1920, passim; Catégories,
    p. 70-71 e 130·133. Werner e Tedder, Descriptive Sociology·Chinese, em Spencer, Des-
    criptive SOciology, voI. 9, Londres 1910, p. 24.

  2. Fêng, p. 196 e n. 86.

  3. Catégories, p. 132.

  4. Idem, p. 130.

  5. Fêng, p. 188.

  6. Idem, p. 273.

  7. Idem, p. 190 e n. 71.


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