Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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de organização c1ãnica, ao passo que, desde o primeiro contato possivel
com a sociedade chinesa, isto é, a cultura Shang, achamo-nos em pleno
feudalismo. e preferiríamos mesmo dizer em face de um feudalismo exa-
cerbado. " Tudo quanto conhecemos sobre a sociedade chinesa mostra uma
evolução que passa, grosso modo, de um regime feudal com preponde·
rãneia das linhagens, a uma organização clãnica, da qual a familia pa·
trilinear se desprende progressivamente. e não o contrário. O desenvol-
vimento e a concepção cada vez mais rigorosa da regra de exogamia
confirmam esta maneira de ver, conforme Fêng mostrou muito bem.:O'

Mas neste caso as instituições feudais, ou aquilo que nos é possivel
perceber a respeito delas, deveriam representar para nós as mais pre-
ciosas fontes de informação, o ponto de partida de qualquer tentativa
de interpretação do sistema de parentesco arcaico, o eixo em redor do
qual deve organizar-se a estrutura deste sistema. O casamento com a filha
do irmão da mulher apareceria então como uma das raras chaves capazes
de nos abrir O acesso ao sistema. Ora, Fêng obstina-se em fechar todas
as saídas que conduzem a esta direção. Longe de ver no casamento com
a sobrinha da mulher um dado capital, aquele autor tende constantemente
a minimizar sua importância, a reduzi-lo a uma anomalia ou a uma con-
seqüência insignificante de outras instituições, por exemplo o sororato.
"Quando o sororato existe em grande escala, pode ser acompanhado pelo
casamento 'com a filha do irmão da mulher, porque esta é um bom substi-
tuto para à irmã da mulher, se não tem irmã em idade conjugal. Existem
indicações. de que este costume foi praticado pela nobreza feudal chi-
nesa". :o:. Mas a prática é "grandemente arbitrária". Reduz·se a "um in·
cesto legalizado" e nunca pôde, portanto, "tornar-se predominante, mesmo
na nobreza ... porque está em oposição ao princípio da equivalência das
gerações, tão forte na ideologia deste período". "" Que penado, podemos
perguntar? Porque Fêng seguiu o desenvolvimento do princípio da equi-
valência das gerações, que, conforme ele próprio diz, atinge o ponto cul-
minante na época dos T'ang, isto é, um milênio após o período que
indica como marcando o desaparecimento da forma do casamento em
questão.
Fêng afirma que esta forma de casamento nunca foi freqüente, sem
dar porém nenhuma prova. Reconhece que a pequena nobreza deve tê-la
praticado, que os ministros a adotaram em alguns casos comprovados, e
que foi discutida a questão de saber se os letrados tinham, ou não, direito
a ela. Não se trata pOis de um costume tão raro e extraordinário,"


  1. H. G. Creel, On the Origins of the Manufacture and Decoration of Bronze
    in the Shang Periodo. Monumenta Serica, voI. I, fasc. 1, 1935, p. 46ss; The Birth 01
    China, op. cit., ]}assim. W. Perceval Yetts, The Cull Chtnese Bronzes, Londres 1939,
    p. 75.

  2. Idem, p. 174·175.

  3. Idem, p. 187.

  4. Idem, p. 189; cf. também p. 191.

  5. O casamento com a prima cruzada matrilateral foi observado por Hsu numa
    aldeia da 'costa sul da Mandchúria, e na mesma aldeia este observador notou dois
    casos Significativos de incesto um entre o pai e a mulher do filho, outro com a
    mulher do filho do irmão dó pai (p. 126-128). Estes incestos são condenados, por


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