Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

gido para a formação de novos gotra, fato de que encontramos indicações
entre os Tunguse, os Buriata e os Kazake, no que se refere aos seus
subclãs respectivos? Admitiríamos de bom grado, COm base numa indi·
cação dos Sutra, que "o gotTa começa com o neto"."~ o que é mais com-
preensível, nessa hipótese, do que na que foi proposta por Held, sobre a
origem matrilinear dos gotra. As este respeito caberia lembrar uma indi-
cação de Risley. relativa aos Goala, "entre os quais não somente o
casamento é proibido entre duas famílias durante várias gerações, mas
os membros de uma família não podem casar-se no thar ou secção exo-
gãmica de outra ... " "l Naturalmente, isso não exclui que os gotra tenham
sido ora patrilineares ora matrilineares, conforme o tipo de clã de que
se originam nesta ou naquela região. Porém uma hipótese geral a este
respeito não parece nem útil nem provável.
Assim, os clãs arcaicos teriam sofrido uma dupla evolução. Alguns
se perpetuariam em forma de castas, especializando-se. Outros teriam pro-
gressivamente - e aliás incompletamente - desaparecido, em proveito
de unidades mais restritas, secções epônimas ou grupos territoriais. Os
primeiros teriam evoluído na direção da hipergamia, em seguida para a
endogamia, por motivo de seu caráter aristocrático, ao passo que os se-
gundos permaneceriam mais duradouramente exógamos. Mas a endogamia
pura e simples seria inconcebível, porque eXCluiria toda reciprocidade. É
possível, portanto, considerar o grupo sapinda como o equivalente fun·
cional, em ca~tas endógamas, da subdivisão dos clãs exógamos em forma-
ções unilineares. Sem dúvida, o grupo sapinda é bilateral, mas conserva,
na desiguafdade estabelecida entre as duas linhas, a lembrança de sua
origem patriijnear. Além disso, não foi suficientemente posto em destaque
o fato de úm grupo endógamo só poder aplicar impedimentos bilaterais,
do contrário se desmembraria em duas ou várias secções exógamas.
Mas, se a endogamia precipitou a formação de grupos bilaterais na
índia, não se deve esquecer, por esse motivo, que a bilateralidade acha-se
latente em todo sistema de troca generalizada. Os pand! dos Gilyak, o
par houen·yin Chinês ou tsha·shan Tibetano representam os "aliados" que
são, ao mesmo tempo, "os que nasceram juntos", maternos e paternos tra-
tados como unidade. Para fazer um ser humano é preciso ao mesmo tempo
"os ossos" e "a carne". Revelamos em certos aspectos do direito Katchin
e da mitologia dos Tungu a constituição progressiva das linhagens femi·
ninas. No primeiro caso, ao menos, estas têm uma existência bem dife-
rente da virtuaL Em um certo sentido, pode dizer·se que a mulher Katchin,
assim como a mulher indiana, .recebe um "stridhana", e as filhas na he-
rança, em ambos os casos, têm um direito preferencial a ele. ';~ Também
nos dois casos este direito preferencial refere-se essencialmente aos bens
recebidos do amor dos parentes, e mais especialmente do lado fraterno. "O
que foi dado diante do altar nupcial, o que foi dado no momento do
cortejo nupcial, o que foi dado em penhor de amor, e que foi recebido
de um irmão, da mãe ou do pai, é considerado como propriedade, seis
vezes reservada, da mulher casada". ~~ Mesmo na China, tão rigorosamente
patrilinear, é conhecido o direito preferencial das linhagens femininas 80-



  1. Citado por Held, p. 73. 67. Risley, vaI. 1, p. 58

  2. Manu, IX, 194. Banerjee, p. 31 e 268.
    68. Cf. capo XVI.


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