Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

"


I


dúvida que na índia, como aliás também na América do Sul, as duas
formas estejam intimamente associadas.
Não são somente os fatos dessa natureza que chamaram a atenção
de Rivers. Quando este observa, com efeito, "um estudo atento mostraria
que a relação entre o tio e o sobrinho, no momento do casamento, é um
traço inteiramente especial da sociedade dravidiana", tem em vista outros
fenômenos, a saber, os que dizem respeito à assistência particularmente
intima que o sobrinho recebe do tio por ocasião de seu casamento, "isto
é, precisamente nessas cerimônias nas quais se poderia esperar vê-Io de-
sempenhar o papel principal, se o relacionamento entre tio e sobrinho
fosse uma sobrevivência do sistema do casamento".'~
Entre algumas tribos, como os KOi, Yerkala, Paraiyan, estas relações
coexistem ainda com o casamento dos primos cruzados. Em outras, por
exemplo, os T1yyan e Idaiyan, onde o casamento dos primos não existe,
ou não existe mais, o tio tem contudo direito a uma compensação no
momento do casamento de seu sobrinho. Estes costumes, e outros seme·
lhantes, foram muitas vezes interpretados como sobrevivência do direito
materno. Rivers não exclui inteiramente esta interpretação, que Lowie
devia criticar de maneira tão decisiva alguns anos mais tarde." Julga·a,
entretanto, insuficiente, por causa da intervenção semelhante, em nume-
rosos casos, da irmã do pai e de seu marido. Como compreender, por
exemplo, a intervenção do marido da irmã do pai (do noivo) no casamento
Iraqi, se. não invocarmos uma regulamentação anterior, que faz do irmão
da mãe áó mesmo tempo o marido da irmã do pai, conforme se realiza
num sis(ema de casamento entre primos cruzados bilaterais?" É preciso,
portanto, ádmitir que, segundo as regiôes do mundo consideradas, a re-
lação especial entre o tio e o sobrinho pOde ter origens diferentes. Esta.
riamos em face de um "desses casos de instituições de múltiplas origens"
que Rivers acredita "ser a regra em sociologia". U Quando se encontra
esta relação associada à filiação matrilinear, presente ou em estado de
vestigio, é possível ver nela um aspecto da função atribuida ao tio como
protetor natural de seu sobrinho. Mas na índia, onde a filiação matrili·
near tem uma área de distribuição muito mais limitada do que o casa-
mento dos primos cruzados, e onde começou a desaparecer em data
muito mais antiga do que ele, há probabilidade de que o papel do tio
materno seja uma sobrevivência do segundo fenômeno, mais do que pri·
meiro. Este papel especial deveria, portanto, explicar·se como expressão,
ou sobrevivência, do caráter de sogro potencial do tio materno."
A tese de Rivers teria certa força se fosse possivel estabelecer rigo-
rosa correlação entre o casamento patrllateral e o casamento matrilateral,
de um lado, e a intervenção, no casamento, do marido da irmã do pai, e
do Irmão da mãe, de outro lado. Se esta correlação existisse, seria dificil
não concluir que é o sogro potencial que, em cada ocasião, vem a apare-
cer. Mas não é isso o que acontece. Justamente no que se refere aos Iraqi,
baseado nos quais Rivers indica sem equivoco que se casam com a


  1. lel.. p. 144.

  2. Rlvers, op. clt.. p. 613.

  3. R. H. Lowie. The MatrtUneal Complex, loe. clt.

  4. Rivers, op. clt., p. 615.

  5. Rivers, The Father's Sister in Ocean1a. Folklore, voI. 21, 1910, p. 57.

  6. Rlvor., MaTrlage 01 Couslns In lnclla, op. clt., p. 616-617.


473

Free download pdf