Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

nosso pensamento, com efeito, do que querer explicar o casamento com
a prima cruzada unilateral como conseqüência do privilégio avuncular ou
inversamente, conforme Kirchhoff tentou fazer par3. a América do SuL'"
Se os dois tipos de casamento existem ao mesmo tempo não pode ser
senão por motivo da estrutura global do sistema, que explica um e outro,
sendo inteiramente indiferente, do ponto de vista teórico, saber se em
tal ou qual grupo determinado temos razões para supor que o pai trans-
feriu seu direito ao f,ilho, que o tio compensou sua dívida pela entrega
da filha, ou que o pai apropriou-se, em seu proveito, da esposa potencial
de seu filho. Todos estes motivos são contraditórios entre si e constituem,
segundo nosso modo de ver, uma visão mitológica da história social. Pelo
fato de supor que tenham atuado em alguns casos precisos, não se segue
que haja alguma razão para supor que esta ação tenha se produzido
em todos os lugares em uma única forma ou na mesma ordem As razões
últimas da explicação não podem ser procuradas nessa direção.
Encontramos aqui um problema que já tinha sido levantado a pro-
pósito do sistema Chinês e do sistema Miwok, quando estudamos a relação
entre o casamento com a prima matrilateral e o casamento com a filha
do irmão da mulher. Em todos os casos de coexistência entre "casamento
paralelo" e "casamento oblíquo", não há nem contradição nem oposição,
nem relação de causalidade, entre as duas formas de troca
O fato de um
homem ter recebido de outro sua irmã como espOSH não implica de modo
algum que não possua mais o direito de receber sua filha, muito ao
contrário POrque o fato de ter recebido, se acarreta a obrigação de dar,
implica também um direito renovado, e sempre renascente, de receber
ainda uma ve,z. Conforme diz Granet, melhor inspirado nesta opinião do
que em sua' tentativa de fazer derivar o casamento oblíquo do casamento
paralelo (e citando, aliás, um orador de um discurso enfadonho antigo):
"Não se deve, para festejar mediante presentes rituais novas relações, dei-
xar improdutivas relações antigas". OI:. A isso acrescenta-se este belo co-
mentário de Leenhardt, que evoca a origem mitológica das alianças Ca-
naca: "No começo houve o vibe, a aliança de Nerhe e de Rheko, um do
totem Ver, outro do totem lule. Trocaram suas irmãs, e poderiam consi-
derar-se pagos se tivesse havido transação. Mas esta troca não é uma
transação, é um compromisso para ° futuro, um contrato social. O filho
que cada um terá da mulher recebida irá tomar o lugar que esta deixou
em casa de sua mãe. Os novos vazios serão preenchidos da mesma ma-
neira, alternadamente, de geração em geração ... "::';
Em numerosos grupos, o casamento acarreta uma série de obrigações
intermináveis por parte do genro e, inversamente, o fato de um homem
ter concedido a outro um valor tão essencial quanto sua irmã ou sua
filha o compromete a pagamentos antecipados continuamente renova-
dos, de modo que garanta a manutenção de uma aliança, para a qual
tantas coisas já foram sacrificadas. Nada seria mais perigoso do que ver
romper·se o laço, porque ne-sse caso não haveria mais recurso
A aliança
matrimonial implica sempre uma escolha, escolha entre aqueles com os



  1. P. Kirchoff, Verwandtschaftsbezeichnungen und Verwadtenheirat. Zeitschri/t !ür
    Ethnologie, vaI. 64, 1932.

  2. M. Granet, Catégories, p. 116.

  3. M. Leenhardt, Notes d' Ethnologie Néo-calédonienne, op. cit., p. 71.


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