Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

I


fundamental entre o casamento com a filha do irmão da mãe e o casa·
menta com a filha da irmã do paI. Definimos o primeiro como sendo a
aplicação do princípio de troca generalizada, por oposição ao casamento
com a prima bilateral, originado do princípio de troca restrita. O casa·
menta com a filha da irmã do pai opõe·se igualmente ao casamento bila·
teral. Mas ao mesmo tempo distingue·se do casamento com a filha do
irmão da mãe por um caráter essencial, a saber, origina-se, como ele, de
um princípio de troca, mas de troca descontínua.
Que se entende por isso? Em lugar de constituir um sistema global,
como fazem, cada qual em sua respectiva esfera, o casamento bilateral e
o casamento com a prima matrilateral, o casamento com a filha da irmã
do pai não é capaz de alcançar outra forma senão a de uma multidão
de pequenos sistemas fechados, justapostos uns aos outros, sem nunca
poder realizar uma estrutura global. Há uma lei de troca restrita que
formulamos: se A casa·se com B, B casa·se com A. Há uma lei da troca
generalizada: se A casa·se com B, B casa·se com C. Mas em face dessás
duas formas contínuas de reciprocidade, encontramos agora uma forma
descontínua, para a qual não existe lei. Este sistema resulta mais da
aplicação metódica a todos os casos que se apresentam de uma regra ou
de uma receita, da qual demos a expressão matemática no capítulo pre-
cedente, a propósito do sistema Munda.
O uso dessa receita dá um resultado satisfatório, no sentido em que,
dessa maneira, tudo que é dado obriga sempre a uma devolução, um
casamento que se consolida, para um grupo familiar, por uma perda,
tem como contrapartida um casamento que, para o mesmo grupo, cons·
titui um gahho, uma irmã cedida, perdida pelo pai, rende uma esposa,
adquirida pélõ filho. Mas em nenhum momento entra em ação a tomada
de consideração do grupo em conjunto. Nunca uma estrutura global de
reciprocidade emerge da justaposição dessas estruturas locais. O casa·
menta bilateral, tal como o casamento unilateral com a filha do irmão
da mãe, asseguram a melhor solidariedade dos grupos familiares aliados
pelo casamento. Mas, além disso, esta solidariedade estende-se ao con·
junto do grupo social, completando uma estrutura, organização dualista,
classes matrimoniais ou sistema de relações. Ao contrário, o casamento
COm a filha da irmã do pai, se preenche a primeira função, não satisfaz
nunca a segunda. A integração do grupo não provém da participação de
cada indivíduo e de cada família biológica numa harmonia coletiva, mas
resulta, de maneira mecânica e precária ao mesmo tempo, da totalização
dos vinculas particulares pelos quais uma família se liga, ora com essa
família, ora com outra. Em lugar da unidade real, proveniente do fato
" de uma mesma trama subentender a construção social, temos uma uni·
dade fictícia, feita de peças e pedaços, proveniente dos dois elementos,
ligados um ao outro, estarem presos, cada qual por sua conta, a um
terceiro.
Do ponto de vista teórico, esta diferença traduz·se na inexistência de
fórmula do casamento com a prima patrilateraL Nada existe no sistema
senão o enunciado e a repetição da regra sensível pela qual opera. Mais
exatamente, não é um sistema, mas um procedimento. Sem dúvida, a
regra do casamento com a filha da irmã do pai não é incompatível com
a organização em classes matrimoniais, correspondendo ao principio da

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