Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

6


civilizado - são as mesmas que aquelas que se exprimem na realidade
física e na realidade social, a qual por si mesma é apenas um dos aspectos
daquela.
O casamento matrilateral representa a mais lúcida e fecunda das
formas simples da reciprocidade, enquanto, em seu duplo aspecto de
privilégio avuncular e de casamento com a filha da irmã do pai, o casa-
mento patrilateral oferece a realização mais elementar e mais pobre dela.
Mas a medalha tem seu reverso. Social e logicamente, o casamento com a
filha do irmão da mãe apresenta a fórmula mais satisfatória. Do ponto
de vista psicológico e individual, entretanto, mostramos, em várias opor-
tunidades, que constitui uma aventura e um risco. É uma especulação
a prazo que a todo momento está ao bordo da falência, se falharem a
unanimidade do consenso e a observância coletiva das regras. Precisa-
mente porque suas ambições são mais limitadas, o sistema de casamento
patrilateral é uma operação mais segura, a mais segura, diríamos de
bom grado, das combinações matrimoniais compatíveis com a proibição
do incesto. Com relação à fórmula da troca restrita, que ocupa uma po-
sição média, é preciso pois estabelecer a oposição entre os "sistemas de
ciclo curto" e os "sistemas de ciclo longo". O casamento patrilateral (com
o privilégio avuncular primeiramente, e em seguida o casamento com a
filha da irmã do pai) permite realizar o mais curto dos ciclos, mas, do
ponto de vista de seu valor funcional, o mais limitado. Por outro lado
o casamento matrilateral oferece uma fórmula dotada de virtualidades
inesgotáveis para a formação de ciclos cada vez mais extensos. Ao mesmo
tempo, obserya-se que o comprimento do ciclo está na razão inversa de
sua segurançll (Figura 85),
Compreeml<i·se, então, o papel e a natureza desse fator alógeno que
encontramos constantemente associado às formas simples da troca ge-
neralizada. Os grupos que não hesitaram em lançar-se nessa grande aven-
tura sociológica que é o sistema da troca generalizada, tão rico em pro-
messas, de resultados tão fecundos, mas também tão cheia de perigos,
permaneceram obsedados pela fórmula patrilateral, que não oferece ne-
nhuma dessas vantagens, mas não acarreta os mesmos perigos. Não que-
remos dizer que a fórmula patrilateral seja mais primitiva que a outra,
ou que as sociedades humanas tenham passado de uma à outra. Mas
acreditamos, com base nos fatos reunidos nos capítulos anteriores, que
as duas fórmulas constituem um par indissolúvel de oposições, os dois
pólos da fórmula simples da reciprocidade, e que não podem ser pensadas
uma sem a outra, pelo menos inconscientemente. Quanto à realização, é
outra coisa. Há sociedades, muito pobres no domínio da organização social,
que puderam satisfazer-se com O casamento patrilateral e com as limi-
tadas possibilidades, sem jamais sonhar com a aventura do casamento
matrilateral. Porém mesmo entre aquelas que se lançaram de maneira
mais resoluta naquele tipo de casamento nenhuma foi capaz de se livrar
completamente da inquietação engendrada pelos riscos do sistema. De
maneira às vezes obscura e às vezes categórica agarraram-se a este penhor
de segurança oferecido, segundo os grupos, por um certo coeficiente, ou
mesmo por um símbolo de patrilateralidade.
A este respeito a índia mostrou-se menos audaciosa, porque o casa-
mento patrilateral caminha ao lado do outro, e isso em duas formas. Esta

494

Free download pdf