proibição do incesto não é urna proibição igual às outras, mas a proibi-
ção, na forma mais geral, aquela talvez a que todas as outras se reduzem
começando pelas que acabam de ser citadas - corno casos particulares
A proibição do incesto é universal, corno a linguagem. Se é verdade que
ternos maiores informações sobre a natureza da segunda do que sobre
a origem da primeira, é somente seguindo a comparação até o ponto final
que pederemos esperar descobrir o sentido da instituição.
A civilização moderna chegou a um tal dominio do instrumento lin-
güístico e dos meios de comunicação, e faz deles um uso tão diversifi-
cado, que estamos por assim dizer imunizados à linguagem, ou pelo menos
julgamos estar. Não vemos mais na língua senão um intermediário inerte
e privado por si mesmo de eficácia, o suporte passivo de idéias às quais
a expressão não confere nenhum caráter suplementar. Para a maioria
dos homens a linguagem apresenta sem impor. Mas a psicologia moderna
refutou esta concepção simplista. "A linguagem não entra em um mundo
de percepções objetivas acabadas, para associar somente a objetos indi-
viduais dados e claramente delimitados uns com relação aos outros, "no-
mes", que seriam sinais puramente exteriores e arbitrários. Mas a lingua-
gem é um mediador na formação dos objetos, em certo sentido é o de-
nominador por excelência", 3~ Esta concepção mais exata do fato lingüís-
tico não constitui urna descoberta ou novidade. Apenas substitui as pers-
pectivas estreitas do homem branco, adulto e civilizado, no ãmbito de
uma experiênci~ humana mais vasta e por conseguinte mais válida, na
qual a "mania de denominação" da criança e o estudo da profunda revo-
lução produzIda, nos individuos retardados, pela súbita descoberta da
função da li~agem corroboram as observações feitas no terreno. Dai
resulta que a concepção da palavra corno verbo, corno poder e ação,
representa realmente um traço universal do pensamento humano. H
Alguns fatos tornados da psicologia patológica tendem já a sugerir
que as relações entre os sexos podem ser concebidas como uma das
modalidades de urna grande "função de comunicação", que compreende
também a linguagem. Um desses fatos é, por exemplo, a conversa ruidosa,
que parece ter para certos obsedados a mesma significação que a atividade
sexual sem freio. Não falam senão em voz baixa e num murmúrio, como
se a voz humana fosse inconscientemente interpretada como uma espécie
de substituto da potência sexual. "8 Mas, mesmo se não estivermos dis-
postos a acolher e utilizar estes fatos senão com restrições (e só recor-
remos aqui à psicologia porque permite, assim como a psicologia infantil
e a etnologia, o alargamento da experiência), devemos reconhecer que cer-
tas observações de costumes e atitudes primitivas dão-lhe impressionante
confirmação. Bastará lembrar que na Nova Caledônia a "má palavra" é o
adultério, porque "palavra" deve provavelmente ser interpretada no sen-
tido de "ato". ". Alguns documentos são ainda mais significativos. Para
várias populações muito primitivas da Malásia o pecado supremo, que
desencadeia a tormenta e a tempestade, compreende uma série de atos
- E. Cassirer, Le Langage et la construction du monde des objets, em Psychologie,
du langage, Paris 1933, p. 23. - Cassirer, op. cit., p. 25; An Essay on Man, New Haven 1944, p. 31ss; M.
Leenhardt, Ethnologie de la parole. Cahiers Internationaux de Sociologie, voI. 1; Paris
1946; R. Firth, Primitive Polynesian Economics, op. cit., p. 317. - 'l'h. Retk, Bitual. Psychoanalytic Studies, Londres 1931, p. 263.
- Leenhardt, op. cit., p. 87.
534