Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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na medida em que é definida como sinal ficamos obrigados a reconbecer
nela um produtor de sinais. No diálogo matrimonial dos homens, a mu-
lher nunca é puramente aquilo de que se fala, porque se as mulheres,
em geral, representam uma certa categoria de sinais, destinados a deter-
minado tipo de comunicação, cada mulher conserva um valor particular,
proveniente de seu talento, antes e depois do casamento, de desempenbar
sua parte em um dueto. Ao contrário da palavra, que se tornou integral-
mente sinal, a mulher permaneceu, portanto, sendo, ao mesmo tempo· que
sinal, valor. Explica-se, assim, que as relações entre os sexos tenbam
preservado esta riqueza afetiva, este fervor e mistério que sem dúvida imo
pregnaram na origem todo o universo das comunicações humanas.
Mas o clima ardente e patético no qual brotaram o pensamento sim-
bólico e a vida social, que constitui a forma coletiva do primeiro, aquece
ainda nossos sonbos com uma miragem. Até nossos dias a humanidade
sonbou apreender e fixar este instante fugitivo em que foi permitido
acreditar ser possivel enganar a lei da troca, ganhar sem perder, gozar
sem partilhar. Em todo o mundo, nas duas extremidades do tempo, o mito
Sumério da idade de ouro e o mito Andaman da vida futura correspondem
um ao ·outro. O primeiro colocando o fim da felicidade primitiva no
momento em que a confusão das linguas tornou as palavras propriedade
de todos, e o segundo descrevendo a beatitude do Além como um céu no
qual as mulheres não serão mais trocadas, isto é, lançando num futuro
ou num pJll'sado igualmente inatingiveis a doçura, eternamente negada ao
homem scicial, de um mundo no qual se poderia viver entre si.

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