Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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CAPITULO IV


Endogamia e Exogamia


Ao estabelecer uma regra de obediência geral - qualquer que seja essa
regra - o grupo afirma seu direito de controle sobre o que considera
legitimamente um valor essencial. Recusa-se a sancionar a desigualdade
natural da distribuição do sexo nas famflias e estabelece, com base no
único fundamento possível, a liberdade de acesso às mulheres do gru-
po, reconhecida a todos os individuos_ Este fundamento, em suma, é o
seguinte: J:j.em º estado de fraternidade nem o de paternidade podem
&.err~jºYQ~ados--par_a reivindicar uma esposa, mas esta reivindicação vale
somente enquanto direito pelo qual todos os homens são iguais na com-
o petição por todas as mulheres, com suas relações respectivas definidas
em termos de grupo e não de famflia_
Esta regra mostra-se ao mesmo tempo vantajosa para os indivíduos,
porque, ao obrigá-los a renunciar a um lote de mulheres imediatamente
disponíveis, mas limitado ou mesmo muito restrito, abre a todos um
direito de reivindicação sobre um número de mulheres cUja disponibi-
lidade é na verdade diferenciada pelas exigências do costume, mas que
o teoricamente é tão elevado quanto possível, sendo o mesmo para todos.
Se objetarem que este raciocinio é demasiado abstrato e artificial para
vir ao espírito de uma humanidade muito primitiva, bastará observar
que o resultado, única coisa que importa, não supõe um raciocínio for-
malizado, mas somente a resolução espontânea de tensões psicossociais,
que constituem dados imediatos da vida coletiva. Nestas formas não cris-
talizadas de vida social, cuja pesquisa psicológica ainda está por fazer, e
que são tão ricas em processos simultaneamente elementares e univer-
sais, tais como as comunidades espontâneas formadas ao acaso das cir-
cunstâncias (bombardeios, tremores de terra, campos de concentração,
bandos infantis, etc.), aprende-se rapidamente a conhecer que a percep-
ção do desejo de outrem, o temor de ser despojado pela violência, a
angústia resultante da hostilidade coletiva, etc., podem inibir inteiramen-
te o gozo de um privilégio. E a renúncia ao privilégio não requer ne-
cessariamente para ser explicada a intervenção do cálculo ou da auto-
ridade. l'Q.dJLnão __ ~<)r senão a resolução de um conflito afetivo, cujo
modelo já se observa na escala da vida animal.'


  1. S. Zuckerman, The Social Life of Monkeys and Apes, Londres 1932. W. Kbhler,
    The Mentality of Apes, 1925, p. 88ss, 300·302. R. M. Yerkes, Social Behavior in Infra-
    human Primates, em Handbook of Social Psychology, capo 21. H. W. Nissen e M. P.
    Grawford, A Preliminary Study Df Food-sharing Behavior in Young Chimpanzee, Journal
    of Comparative Psychology, vaI. 22, 1936, p. 383-420.


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