Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

função desta; e a endogamia verdadeira, que não é um aspecto da exo-
gamia, mas se encontra sempre dada conjuntamente com esta embOra
não na mesma relação, e simplesmente em conexão. Toda sociedade, con-
siderada deste último ponto de vista, é ao mesmo tempo exógama e
endógama. Assim, os australianos são exógamos quanto ao clã, mas en-
dógamos no que se refere à tribo. Ou a sociedade norte-americana mo-
derna, que combina uma exogamia familiar, rígida para o primeiro grau,
e maleável a partir do segundo ou do terceiro, com uma endogamia de
raça, rígida ou flexível conforme os Estados.' Mas inversamente à hi-
pótese que examinamos anteriormente, a endogamia e a exogamia não
são aqui instituições complementares, sendo apenas do ponto de vista
formal que podem aparecer como simétricas. A endogamia verdadeira
é somente a recusa de reconhecer a possibilidade do casamento fora dos
limites da comunidade humana, estando esta última sujeita a definições
muito diversas, segundo a filosofia do grupo considerado. Um grande
número de tribos primitivas chamam-se a si mesmas com um nome
que significa somente, em sua língua, "os homens", mostrando com isso
que a seus olhos um atributo essencial da humanidade desaparece quan-
do se sai dos limites do grupo. É o que acontece com os Esquimó de
Norton Sound, que se definem a si mesmos - mas exclusivamente -
como o "povo excelente", ou mais exatamente "completo", e reservam o
epíteto de "ovo de piolho" para qualificar as tribos vizinhas_' A genera-
lidade dessa atitude dá uma certa verossimilhança à hipótese de Gobi-
neau, segundo a qual a proliferação dos seres fantásticos do folclore,
anões, gigantes, monstros, etc., se explicaria menos pela riqueza imagi-
nativa que pela incapacidade de conceber os estranhos segundo o mes-
mo modelo que os concidadãos. Certas tribos brasileiras identificaram
os primeiros escravos negros importados para a América a umacacos da
terra", por comparação com as espécies arborícolas, as únicas ~conheci­
das. Quando se perguntou pela primeira vez a certos povos melanésios
quem eram, responderam: "homens", querendo dizer com isso que não
eram nem demônios nem fantasmas, mas homens de carne e osso. Mas
era porque não acreditavam que seus visitantes brancos fossem homens,
e sim fantasmas ou demônios ou espiritos marinhos".' Quando chega-
ram às Novas Hébridas, os europeus foram a principio tomados por fan-
tasmas e receberam esse nome. Suas roupas foram chamadas peles de
fantasmas e seus gatos ratos de fantasmas." Lévy-Bruhl recolheu outras
narrativas não menos significativas: cavalos tomados por mães de seus ca-
valeiros, porque os transportavam nas costas, em contraste com os mis-
sionários, que eram chamados leões por causa de sua barba clara, etc. 11
Em todos esses casos trata-se somente de saber até onde se estende
a conotação lógica da idéia de comunidade, que é função da solidarie-
dade efetiva do grupo. Em Dobu considera·se o branco como "de outra
espécie", não verdadeiramente um ser humano. no sentido indígena do
termo, mas um ser dotado de caracteres diferentes. Estas difererenças en-



  1. Cf. S. Johnson, Patterns Df Negro Segregation, Nova Iorque 1943.

  2. H. J .. Rink, The Eskimo Tribes, Londres 1887, p. 333.

  3. R. H. COdrington, The Melanesians: Studies in their Anthropology and FOlklore,
    Oxford 1891, p. 21.

  4. A. B. Deacon, Malekula: a Vanishing People in the New Hebrides, Londres
    1934, p. 637. - Também: A. R. Radcliffe Brown, The Andaman Islanders, p. 138.

  5. L. Lévi-Bruhl, La Mythologie primitive, Paris 1935, p. 59-50.


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