Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

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riram muitas vezes a hipótese de que as organizações dualistas difundi-
ram-se a partir de um ponto de origem único_ Acreditamos mais que
repousam sobre uma base de reciprocidade, que oferece o caráter fun-
cionai e deve estar presente independentemente em inumeráveis coleti-
vidades humanas. Conforme procuraremos mostrar, o sistema dualista não
dá nascimento à reciprocidade, mas constitui somente a organização des-
ta. Esta organização deu lugar às vezes a uma descobertâ local, ulterior-
mente Imposta pela conquista, ou tomada de empréstimo por motivo de
sua comodidade. Não teria nunca conseguido difundir-se se condições fun-
damentais não estivessem presentes em toda parte, condições que torna-
vam desejável adotá-Ia ou facilitavam sua imposição.
A distribuição das organizações dualistas apresenta, com efeito, ca-
racteres que as tornam, entre todas, notáveis. Não são aparentes em todos
os povos, mas encontram-se em todas as partes do mundo, e geralmente
associadas aos níveis de cultura mais primitivos. Esta distribuição su-
gere, pois, menos uma origem única do que um caráter funcional pró-
prio das culturas arcaicas. Há naturalmente exceções, mas é possível
aduzir em apOio da opinião anterior que, em casos ainda mais nume-
rosos, descobre-se, em forma de esboços ou de sobrevivências, a orga-
nização dualista nos vizinhos evoluídos dos grupos que a apresentam em
forma mais acusada. Assim é que, na Indonésia, o vestígio de organiza-
ções dualistas pode ser encontrado entre os Sakal de Sumatra, na re-
gião de Macassar e nas Célebes centrais e meridionais, em Sumba, nas
ilhas das Flores, em Timor e nas Molucas. Na Micronésia sua exis-
tência presente ou passada é documentada ou sugerida nas Carolinas
e nas Pelew. São encontradas na Nova Guiné, nas ilhas do Estrei-
to de Torres e nas ilhas Murray. Na Melanésia, Codrington, Rivers, Fox
e Deacon estão de acordo em reconhecer, quase nos mesmos tennos,
que constituem a estrutura social mais arcaica. Vestígios e formas
embrionárias foram observadas, enfim, nas ilhas Bank, nas Novas Há-
bridas, em Fidji (por Hocart), em Samoa, em Tahiti, e talvez mesmo na
Ilha de Páscoa: "As duas tribos ou mata dividem-se em dois grupos que,
provavelmente, não são outra coisa senão confederações hostis", escreve
A. Métraux a respeito da antiga organização soCial desta ilha. Entretan·
to, o mesmo autor indica, em outro caso, a crença numa dicotomia
mítica, pela qúal se explica a origem das próprías tribos' e descreve as
formas de cooperação ritual entre Tuu e Hotu-iti.' É supérfluo deter-se
em considerações sobre a Austrália, porque é sabido que a divisão em
metades exogâmicas é um traço freqUente das culturas australianas e
que em parte alguma este sistema é objeto de iguais requintes.
Já os autores do século XVI tinham assinalado formas de dualismo
na América Central e no México, sendo fornecidas indicações semelhantes,
na mesma época, a respeito do Peru. Na América do Norte as metades
estão amplamente espalhadas em toda a zona oriental, principalmente
entre os Creek, os Chickasaw, os Natchez, os Yuchi, os Iroquês, os
Algonquin. São encontradas nas culturas das planícies, prinCipalmente ou
em forma de sobrevivência, entre os Sauk-Fox, os Menominl, os Omaha,

1.. A. Métraux, La vie sociale de I'Ue de Piques. Anales deZ Instttute de Etnografia
Amencana, Universidad Nacional de Cuyo. 1942.


  1. A. Métraux, Ethnology af Easter Island, Bemice P. Bishop Museum Bulletin.
    n. 160, Honolulu 1940, p. 124-125.


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