21
No mundo as coisas aconteciam numa velocidade enorme. Na Espanha, se
colocavam corpos em rinques de patinação porque não havia caminhões
frigoríficos suficientes para dar conta da quantidade de cadáveres que
surgiam a cada dia. Uma imagem impressionante. Já no Palácio, as reuniões
ministeriais continuavam seguindo o mesmo roteiro, ignorando a crise
sanitária: Paulo Guedes exaltando as qualidades que atribui a si mesmo,
Abraham Weintraub (da Educação) tentando mostrar que era o mais radical e
ideológico da equipe, Damares Alves (dos Direitos Humanos) tratando de
maneira conservadora a pauta de costumes, Sergio Moro (da Justiça) sempre
muito reservado. Isso visivelmente agradava ao presidente. No entorno da
mesa, os ministros militares permaneciam calados, sobretudo o vice-
presidente Hamilton Mourão, sempre ali rabiscando alguma coisa, como
quem completa os quadradinhos de uma palavra-cruzada.
O papel do presidente nesses encontros também se mantinha. Ele só se
manifestava para verbalizar contra o inimigo da semana. Um dia, o
adversário era a China, no outro, a Câmara dos Deputados na figura do
presidente Rodrigo Maia. Sobrava vez ou outra para o presidente do Senado,
David Alcolumbre, e quase sempre ataques pesados eram dirigidos à Globo e
à Folha de S.Paulo. Eu nunca tinha espaço para expor a gravidade do
problema da saúde pública.