National Geographic - Portugal - Edição 235 (2020-10)

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As harpias nidificam na copa dos castanheiros do Maranhão.
Os recolectores de castanhas são essenciais para a descoberta dos ninhos.

urgência das ameaças no local. Entre 2004 e 2012,
o Brasil reduziu a sua taxa de desfl orestação em
83%, para 4.400 quilómetros quadrados anuais.
Contudo, a fl oresta voltou a ser abatida quando os
barões do gado e da soja começaram a infl uenciar
os políticos. Jair Bolsonaro, que se tornou presi-
dente em 2019, impediu os esforços desenvolvidos
para travar o abate ilegal de árvores, contribuindo
para novo aumento de 30% do ritmo da desfl o-
restação. Segundo algumas estimativas, 95% da
crescente desfl orestação actual é ilegal.
Quando Everton Miranda chegou à região,
as pessoas disseram-lhe que as harpias já ti-
nham desaparecido. Ele instalou-se num posto
de investigação francês cerca de 250 quilóme-
tros a oeste de Alta Floresta, uma cidade com
quase 52 mil habitantes e mais de 790 mil cabe-
ças de gado.
Para começar a sua investigação, Everton Mi-
randa precisava de encontrar ninhos. Depois
de escrutinar 50 quilómetros de fl oresta, con-
seguiu fi nalmente descobrir um. Felicitou-se a
si próprio e calculou que, àquele ritmo, poderia

Com essa ideia em mente, ajudou recente-
mente a lançar um inovador projecto de ecotu-
rismo para incentivar os proprietários de terras a
protegerem as harpias e os seus habitats.
Se encontrarmos o ninho, acrescentaremos
mais um ponto de dados fundamental para
identifi car o tipo de habitat onde as harpias
ainda vivem para que seja possível protegê-
-lo. Everton Miranda olha de relance para um
marcador de GPS que assinala o local onde ele
acredita que o ninho se encontra. Um ribeiro de
águas rápidas bloqueia a nossa passagem. Não
se deixando demover, ele detecta um tronco caí-
do semiapodrecido, que suporta o nosso peso
enquanto nos revezamos a atravessar lentamen-
te para o outro lado.
Trepamos pela margem lamacenta com a aju-
da das mãos, percorremos o último quilómetro
até vermos o enorme e imponente tronco de um
castanheiro do Maranhão. Os ramos da copa
altíssima desta espécie protegida são o local de
nidifi cação preferido das harpias da área de es-
tudo de Everton Miranda. Espreitamos para a


descobrir um punhado de ninhos por mês. Três
meses e 400 quilómetros mais tarde, Miranda
não descobrira mais ninhos. Precisava de aju-
da. Começou a afi xar cartazes, oferecendo uma
recompensa de 85 euros a quem encontrasse
um. A sua busca conduziu-o aos apanhadores
de castanha do Maranhão, que vagueiam pela
fl oresta em busca de frutos caídos – a base de
uma indústria sustentável e lucrativa. “Percebi
que havia pessoas a fazerem constantemente
transectos na fl oresta”, diz. Começou, então, a
contactar associações de produtores de casta-
nha do Maranhão.
“Lembro-me de ouvir falar num tipo maluco
que andava à procura de harpias na Amazónia”,
recorda Veridiana Vieira, presidente da Associa-
ção de Apanhadores de Castanha do Maranhão
da Aldeia de Vale Verde. Antes de conhecer
Everton, Veridiana achava que as harpias eram
meros assassinos de galinhas, embora nunca ti-
vesse visto um. Ela gostava particularmente da
ideia de contribuir para a ciência, por isso deci-
diu participar no projecto com a associação.

folhagem espessa do alto. A cerca de 30 metros
de altura, um buraco revela uma massa gigante
de galhos. É o ninho!
No entanto, além de uma elegante pena bran-
ca descoberta pelo biólogo, não encontramos
mais indícios de ocupação do ninho. A repro-
dução de vocalizações previamente gravadas de
harpia também não obtém respostas. Everton
Miranda acha que a cria que ocupava este ninho
a tempo inteiro deve ser agora um juvenil, pres-
tes a sair do domínio dos progenitores, depois de
três anos sob a sua tutela.
Caso não sejam incomodadas, as harpias po-
dem usar um único ninho durante décadas e
Everton Miranda pensa que este deverá ter um
novo pinto residente no fi nal de 2020. Se tudo
correr bem, como espera, os turistas serão con-
duzidos ao local para o admirarem e contribuí-
rem para a sua protecção.


EM VEZ DE ESTUDAR as harpias na Amazónia
prístina, Everton Miranda preferiu concentrar as
suas atenções no arco de desfl orestação devido à

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