National Geographic - Portugal - Edição 235 (2020-10)

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rior de alguns dos mais antigos ovos de dinossauro
conhecidos, pertencentes ao herbívoro sul-afri-
cano Massospondylus. Os raios X permitiram-lhe
reconstituir os crânios embriónicos do interior
dos ovos, incluindo os minúsculos dentes que o
dinossauro teria perdido, ou reabsorvido, antes de
eclodir. Os embriões das osgas modernas também
possuem estes protodentes, embora os últimos
antepassados comuns às osgas e aos dinossauros
tenham vivido há mais de 250 milhões de anos.
Graças, em parte, às osgas, Kimi conseguiu desco-
brir que estes embriões de Massospondylus com-
pletaram três quintos do seu processo de incuba-
ção antes de morrerem, um vislumbre íntimo de
vidas interrompidas há mais de duzentos milhões
de anos. “Isso torna-os muito mais reais”, diz.

T


ODAS AS PRIMAVERAS, o Instituto
de Paleontologia dos Vertebrados
e de Paleoantropologia (IVPP) de
Pequim celebra o seu próprio sím-
bolo da natureza efémera da vida,
quando um manto de flores de
cerejeira e de ameixoeira se
estende sobre a capital chinesa.
Contudo, o IVPP é mais uma máquina do tempo do
que um parque temático. Desde a década de 1990
que agricultores, investigadores e negociantes de
fósseis da província de Liaoning, no Nordeste da
China, trazem para o instituto centenas de fósseis
que aumentaram o nosso conhecimento sobre a
aparência e comportamento dos dinossauros. Mui-
tos conservam vestígios de penas, confirmando que
a plumagem se desenvolveu antes de os dinossauros
sequer voarem. Alguns fósseis revelam igualmente,
de forma dramática, que alguns dinossauros tam-
bém tentaram desafiar a gravidade.
Poucos dinossauros reflectem melhor este pa-
norama do que os Scansoriopterygidae, um gru-
po pouco conhecido de dinossauros do Jurássico.
Antigamente, alguns cientistas pensavam que es-
ses animais utilizavam dedos de dez centímetros
de comprimento para agarrar insectos. Em 2015,
porém, investigadores do IVPP revelaram a exis-
tência de um membro bizarro deste grupo que os
conduziu a um beco sem saída no debate sobre as
origens do voo. Ao contrário de outros dinossauros
descobertos até à data, o Yi qi possuía asas mem-
branosas, semelhantes às dos morcegos, sustenta-
das por longos dedos exteriores e esporões ósseos
do pulso. “A história é a seguinte: um espécime
muito importante ... virou de pernas para o ar tudo
aquilo que pensávamos saber”, resume Jingmai.

N


O RECANTO noroeste de Grenoble,
em França, sobre um pontão de
terra triangular na confluência de
dois rios, um anel cinzento com
quase 850 metros ergue-se entre o
nevoeiro. A estrutura fantasmagó-
rica chama-se Laboratório Europeu
de Radiação de Sincrotrão (ESRF),
a instituição que, nos últimos anos, se tornou uma
verdadeira meca para os paleontólogos, graças ao
investigador residente Paul Tafforeau.
O ESRF é um acelerador de partículas que dis-
para electrões em todas as direcções quase à velo-
cidade da luz. Enquanto o feixe de electrões realiza
os seus trajectos, ímanes posicionados ao longo da
pista circular condicionam o fluxo de partículas.
Esta perturbação obriga as partículas a libertarem
alguns dos raios X mais intensos do mundo, fre-
quentemente utilizados pelos investigadores para
estudarem novos materiais e medicamentos. Paul
Tafforeau especializou-se em utilizar esses raios X
para examinar fósseis que escapam ao alcance dos
dispositivos normais de TAC, com resoluções ina-
tingíveis por esses dispositivos.
A intensidade do ESRF proporcionou resulta-
dos maravilhosos a Dennis Voeten, da Univer-
sidade de Uppsala, que o utilizou para fatiar vir-
tualmente fósseis de Archaeopteryx e observar
os cortes transversais dos seus ossos de maneira
incrivelmente pormenorizada. Como os ossos su-
portam o esforço do voo, a sua estrutura geomé-
trica pode revelar os estilos de voo dos animais.
Embora a anatomia do Archaeopteryx não lhe
permitisse um batimento de asa totalmente idên-
tico ao de uma ave, os cortes transversais dos os-
sos das suas asas assemelham-se aos dos faisões
da actualidade, que irrompem em voos curtos.
É uma pista extraordinária sobre a forma como
esta criatura com 150 milhões de anos (um foto-
grama icónico da evolução dos dinossauros até se
tornarem aves) se deslocou pelas cadeias de ilhas
do Jurássico que, um dia, terão sido a sua casa.
Kimi Chapelle, da Universidade de Witwaters-
rand, utilizou o laboratório para espreitar o inte-


Ferramentas avançadas para exame


de ossos fósseis permitem definir


pormenores com menos de um


centésimo da largura de um glóbulo


vermelho de sangue humano.

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