National Geographic - Portugal - Edição 235 (2020-10)

(Antfer) #1
REIMAGINANDOOSDINOSSAUROS 45

Bhart-Anjan encontrou mais exemplos fl agran-
tes da forma como os embriões das aves resumem
o essencial da sua própria história evolutiva ao
longo de todo o plano corporal. Mostra-me uma
imagem microscópica do membro anterior de um
embrião de codorniz, que parece exactamente o
braço de um raptor, incluindo a sua minúscula
pata. “É o Deinonychus! Olhe para isto!”, exclama,
enquanto aponta para o computador portátil. Só
muito perto do momento da eclosão é que esta for-
ma ancestral é substituída, transformando-se na
bem conhecida asa de uma ave.
Muito depois de partir de Yale, essa pequena
pata de codorniz continua na minha cabeça. Pas-
sados muitos anos a escrever reportagens sobre
dinossauros extintos, habituei-me perigosamen-
te a pensar neles no pretérito perfeito. No entan-
to, eles ainda estão entre nós, como fantasmas, no
interior dos ovos das aves que deles descendem.
Os laços entre passado e presente tornam-se
mais nítidos em Londres, quando a nossa visita à
Ilha dos Dinossauros se aproxima do fi m. Embora
o mundo dos dinossauros não-avianos tenha che-
gado ao fi m num piscar de olhos, os dinossauros
de Crystal Palace enfrentam uma ameaça mais
lenta e gradual. As esculturas foram classifi ca-
das como património em risco pelo Reino Unido,
mas a falta de manutenção abriu fendas em boa
parte do seu revestimento exterior descolorado.
Em Maio, parte do rosto do Megalosaurus da ilha
soltou-se – um dano causado pela degradação ou
por vândalos. Estão a ser planeadas medidas de
conservação, dirigidas pela Liga de Amigos dos
Dinossauros de Crystal Palace.
Perante a evidente necessidade de renovação
que nos rodeia, pergunto a Susannah Maidment
de que maneira os cientistas de hoje construiriam
a sua versão de Crystal Palace Park. Susannah
dá-me uma resposta elegante: ela enchê-lo-ia de
aves. “Os dinossauros são os vertebrados terres-
tres mais diversifi cados que existem actualmente,
sabe?” diz. Nesse preciso instante, um bando de
gaivotas esvoaça sobre nós e mergulha nas águas
mais adiante. “Eles nunca pararam.” j

Com base nessa análise, os ovos calcifi cados do
Deinonychus, um parente do Velociraptor, tinham
um matiz azul, sugerindo que, à semelhança das
aves modernas com ovos similarmente colori-
dos, estes dinossauros tinham ninhos ao ar livre
e criavam os seus fi lhos. Por outro lado, os em-
briões fossilizados de Protoceratops descobertos
na Mongólia e os embriões de Mussaurus pro-
venientes da Patagónia encontram-se rodeados
por aquilo que foi outrora uma casca de ovo com
textura de cabedal. Este achado sugere que estes
dinossauros não só enterravam os seus ninhos
à imagem das modernas tartarugas marinhas,
como os ovos dos mais antigos dinossauros eram
igualmente moles. Isto modifi ca a história da evo-
lução dos dinossauros, pois implica que as cascas
de ovo duras (presentes em todo o grupo dos Di-
nosauria) não têm necessariamente uma origem
comum. Em vez disso, esta característica evoluiu
pelo menos três vezes.


A


CIMA DE TUDO, os avanços cientí-
fi cos mostram-nos que os dinos-
sauros não eram as ameaças
monótonas que, por vezes, são
representadas na cultura popular.
Os seus dias eram tão ricos e diver-
sifi cados, passados num frenesi e
agitação constantes, como os das
aves que vemos através das nossas janelas. E até
os maiores e mais malvados T. rex dormiam uma
sesta de vez em quando.
Tomo subitamente consciência disso ao deam-
bular pelo laboratório de Bhart-Anjan Bhullar,
professor auxiliar em Yale, cujo gabinete atravan-
cado fi ca no mesmo corredor do de Jasmina Wie-
mann. Bhart-Anjan poderia trabalhar no departa-
mento de geologia, mas só assistiu a três aulas de
geologia em toda a sua vida. Estuda fósseis e em-
briões de animais vivos para desvendar como os
antigos dinossauros se transformaram em aves.
Num estudo de 2012, ele descobriu que, em ter-
mos de desenvolvimento, os crânios de aves são
variantes, com pequenas alterações, dos crânios
dos antigos juvenis de dinossauros: os crânios
dos jovens dinossauros tinham ossos mais fi nos
e maior fl exibilidade, características aproveita-
das pelas aves para desenvolverem bicos. Parte da
velha caixa de ferramentas sobreviveu. Bhart-An-
jan demonstrou igualmente que, se as principais
vias moleculares do bico fossem bloqueadas, os
embriões dos pintos poderiam desenvolver bicos
semelhantes ao do Archaeopteryx.


Uma imagem microscópica do
membro anterior de um embrião
de codorniz é exactamente igual ao
braço de um raptor, incluindo o
músculo e a cartilagem.
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