National Geographic - Portugal - Edição 235 (2020-10)

(Antfer) #1

52 NATIONAL GEOGRAPHIC


EM GAMBO, A FRONTEIRA ENTRE A VIDA E A MORTE é
ténue. O eco da felicidade ainda ressoa na sala de partos
do hospital rural da cidade, 240 quilómetros a sul da
capital da Etiópia, Adis Abeba, quando tudo corre mal.
As batas brancas dos médicos voam pelo corredor e
Hawi Merga, de 28 anos, chora porque já antecipa a dor:
a sua filha Jamila, nascida uma hora antes, tem uma
infecção pulmonar e está a morrer.
Depois de reanimar o coração, um médico leva a
bebé ao colo para a sala de cuidados intensivos. A an-
gústia torna a atmosfera do quarto peganhenta e cada
apito da incubadora, cada lufada de oxigénio insuflada
pelo fole nos pulmões macios de Jamila, parece ser a
última oportunidade. Subitamente, acontece uma des-
graça: a electricidade vai abaixo. O gerador é activado,
mas o hospital só dispõe de recursos para o manter
ligado até à meia-noite. Depois disso, as incubadoras
ficarão desligadas até à manhã seguinte. Kedir Ogato,
um dos médicos que assistiu ao parto, morde o lábio.
“Se a luz não voltar, não tem praticamente possibi-
lidade de sobreviver”, diz. O facto de as hipóteses de
sobrevivência de Jamila serem uma moeda atirada ao
ar não é extraordinário. Embora a mortalidade neo-
natal tenha diminuído em África (baixou 38% em 15
anos, segundo a Organização Mundial da Saúde), to-
dos os anos 300 mil bebés morrem durante o parto e
1,16 milhões no primeiro mês de vida.


A forma como
deixei de ser criança,
tão depressa,
não está certa...
Não é justo que seja
assim. Uma criança
deveria ser uma
criança.

TEXTO DE XAVIER ALDEKOA
FOTOGRAFIAS DE ALFONS RODRÍGUEZ
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