National Geographic - Portugal - Edição 235 (2020-10)

(Antfer) #1

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milhões de contas). Também emerge de concei-
tos de base como a educação e a igualdade.
Embora as mulheres africanas ainda tenham
menos direitos do que os homens e a disparida-
de salarial seja grande porque elas ganham, em
média, menos um terço pelo mesmo trabalho e
apenas 15% é proprietária da terra que cultiva,
o acesso das raparigas à educação tem aumen-
tado. Nenhum outro lugar do mundo assistiu a
um crescimento tão explosivo do acesso
feminino à educação primária. Em 1970,
uma em cada duas africanas com menos
de 24 anos não sabia ler nem escrever.
Hoje, o número é uma em cada cinco.
Os cliques das máquinas fotográficas
retratam essa tendência. Hawa Faye e
Catherine Bassen, de 19 e 18 anos, res-
pectivamente, fundem-se no meio da
confusão do crepúsculo na praia de
Tanji, no Sul da Gâmbia, no instante em
que os pescadores regressam para ven-
der as suas capturas depois de terem passado
todo o dia no mar. Elas observam, enquadram
e fotografam cada pormenor. Clic, clic. Quando
as descobrem, os rapazes das embarcações e os
vendedores das bancas de praia não lhes ligam.
Elas enchem o peito e sorriem. Clic.
“A fotografia dá-nos poder”, afirma Hawa. “Às
vezes, tenho vergonha quando peço para tirar
uma fotografia e recusam o pedido, mas a má-
quina faz-me sentir forte.”
Ambas são as alunas mais novas do primeiro
curso de fotografia do centro de formação para
mulheres de Fandema, na vizinha cidade de Tu-
jereng, e esperam preencher uma lacuna numa
profissão historicamente masculina. Não são in-
génuas. “Sei que há poucas mulheres fotógrafas
e que é um trabalho difícil”, sublinha Catherine.
“Antes, isso metia-me medo, mas agora já não.”
A coragem de Hawa e Catherine percorre um
caminho que foi aberto por outras. Nos últimos
anos, a representação política das mulheres afri-
canas duplicou e elas já ocupam 24,4% dos lu-
gares parlamentares, comparados com cerca de
11% em 2002. O número é inferior ao da Europa
(29,9 %), mas está acima dos da Ásia, Próximo
Oriente e Pacífico. A maior presença feminina
nos cargos de decisão é visível. Segundo o Banco
Mundial, na última década, África empreendeu
mais reformas para promover a igualdade de gé-
nero do que qualquer outra região do mundo.
A viragem feminista no continente não chega
a tempo para muitas. Na aldeia de Bad Munu,

Agora, Djibrine vê a vida passar na aldeia cha-
diana de Melea, um monte de barracas de palha
em terra firme, com refugiados como ele, onde as
organizações humanitárias quase não chegam e
o sol transforma a brisa numa bola de algodão
quente que entope a garganta. Para Djibrine, a
vida sob este sol é uma vitória.
“Estou orgulhoso de ter chegado aqui assim.”
Assim: sem matar.


PASSEMOS À MULHER AFRICANA. Há outras Áfri-
cas onde o valor se conjuga no feminino e na paz,
inspirado pelos avanços sociais. Giovana Delgado
Durão, uma rapariga cabo-verdiana de 12 anos,
dedica-se a mudar o seu destino inevitável como
dona de casa na sua aldeia pesqueira de Monte
Trigo, com 270 habitantes. Ambiciona ser cantora
no futuro. O motivo? Há sete anos, uma empresa
local instalou painéis solares na escola e levou,
pela primeira vez, electricidade até às casas.
É uma revolução continental em marcha: nos
últimos cinco anos, 23 milhões de africanos
ganharam acesso à energia solar e esse número
deverá crescer para 250 milhões em 2030. Em
Monte Trigo, a luz mudou a vida de todos, a dos
pescadores, que congelam as suas capturas em
vez de as venderem por maus preços, e as de
quem descobre o mundo através de um televisor
aceso. Também mudou a vida de Giovana. Como
agora o seu tio liga o rádio (anteriormente o
escasso poder de compra da família não permitia
a aquisição de pilhas), a música inunda a sala e
alimenta os sonhos da rapariga de ser como Cesá-
ria Évora. “Gostaria de ser artista profissional e
cantar, viajar e conhecer o mundo.”
A capacidade de imaginar outra vida não deri-
va apenas do desenvolvimento tecnológico, que
implicou a irrupção das energias renováveis, a
implantação do telemóvel – África é a região do
mundo onde o uso desta tecnologia mais cresce
(600 milhões de utilizadores) – ou a generaliza-
ção dos pagamentos através da banca digital (450


O FUTURO DIFÍCIL DE MILHÕES DE
AFRICANOS TEM UM DENOMINADOR COMUM:
A CARÊNCIA ESTÁ EMBUTIDA NO TUTANO
DE MILHÕES DE VIDAS.
Séculos de exploração
E DÉCADAS DE MÁ GOVERNAÇÃO, COM ÍNDICES
DE CORRUPÇÃO INSUSTENTÁVEIS, DEIXARAM
MILHÕES DE PESSOAS SEM LAR.
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