Revista de Vinhos - Edição 371 (2020-10)

(Antfer) #1

102 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos


MORÁVIA DO SUL

como foco o mercado interno, consumidor da
totalidade dos vinhos aí elaborados.
Mikulov conta com cerca de 4500 hec-
tares de vinhas, instaladas em solos maiori-
tariamente calcários - o último afloramento
calcário dos Cárpatos Brancos -, nas mon-
tanhas de Pálava, que também empresta o
nome à casta branca autóctone mais tradi-
cional da sub-região. As vinhas, que, na sua
maioria, são conduzidas em cordão bilateral,
propícias a sistemas de pequena expansão
vegetativa que permitem altas densidades de
plantação, gozam, portanto, de altitudes assinaláveis e solos frescos,
dando origem a vinhos predominantemente brancos, com aromas
frutados bem vincados, bastante especiados, picantes até, com boa
mineralidade e acidez. Os principais centros vitícolas localizam-se em
Mikulov, Valtice, Perna, Pavlov e Dolni Dunajovice.
Pavlov, região onde se produz vinho desde o séc. XVI, tem na
Vinarstvi Pavlov o produtor mais emblemático, que reúne diversos
pequenos viticultores locais e 20 ha de vinhas, processando um
milhão de quilos de uva anualmente. O primeiro vinho foi produzido
em 2002 mas elabora vinhos desde os anos 70. O Bohemia Sekt é
especialidade da casa e, por isso, não são de estranhar as caves da
adega, construídas em 1698.
Por seu turno, a família Volařík cultiva uvas nas colinas Pálava,
desde o período da Segunda Guerra Mundial. A adega foi estabelecida
em 2007 e, desde então, acumularam sucessivos prémios. A sua pro-
dução centra-se quase exclusivamente em vinhos brancos. “Os vinhos
brancos são uma prioridade para nós. A maioria dos vinhedos está
localizada nas encostas das colinas Pálava e a sua base de calcário cria
as condições ideais para vinhos como Welschriesling (Ryzlink vlašský)
ou Veltliner”, afirmou o produtor Jaroslav Volařík. A empresa elabora
cerca de 300.000 garrafas anuais. Começaram com mais de 20 castas
plantadas mas estão a reduzir número de variedades na vinha, sendo
que a produção média ronda 6000 kg./ha. Para além da Pálava, foram
provados vinhos de variedades tão singulares como Johanitter, que
expressa aromas vegetais e melosos e consegue a proeza de oferecer
sabores simultaneamente doces e picantes.
Defronte do rio Thaya, próximo da fronteira com a Áustria, dois
produtores destacam-se: Sonberk e Gotberg. No primeiro caso, tra-
ta-se de um projeto recente, cujo nome surge do original alemão
Sonnberg, ou colina soalheira, que retomou em 2003 o passado
ancestral de produção de vinhos. Em cerca de 40 ha, cultiva as castas
Rhine Riesling, Pálava, Traminer e Muškát moravský (Muscat da
Morávia), para além de Pinot Gris (Rulandske Sedé), Chardonnay e
Merlot, produzindo cerca de 150.000 garrafas anuais. A moderna
adega, inaugurada em 2008, está instalada a 236 metros no topo da
coluna Slunečná. Com desenho do arquiteto checo Josef Pleskot, ofe-
rece vistas panorâmicas deslumbrante sobre as vinhas e a linha de
água formada pelos lagos de Nové Mlýny e Pálava, encimadas pelas
ruínas de vários castelos medievais.


Também foi em 2003 que a vizinha (lite-
ralmente contígua) Gotberg, próxima de
Hustopeč, arrancou o seu projeto vínico,
tendo lançado o primeiro vinho em 2010. Este
produtor granjeia 56 ha de vinhedos, em cinco
vinhas: Panenský kopec, Svidrunk, Sonberk,
Stará hora e Unédy. Também aqui nota-se o
aproveitamento dos fundos comunitários que
o país recebeu, com a sua moderna adega,
discreta mas funcional, a apostar claramente
no aproveitamento do enoturismo. Entre
os vinhos que merecem destaque, surgem
os monocasta Pálava, Tramín červený, Sylvánské zelené, Muškát
moravský, para além de um francamente bom Merlot.
Foi à chegada à aldeia vitícola de Dolní Dunajovice que fomos final-
mente brindados com a prova de um sekt, do produtor Mikrosvín,
elaborado com base nas castas Ryzlink rýnský, Ryzlink vlašský e
Chardonnay, ao qual é adicionado Riesling da vinha Železná, tida
como uma das mais nobres do produtor, como licor de expedição. Este
estagia nas borras durante pelo menos 36 meses e é produzido apenas
em anos adequados. A Mikrosvín Mikulov opera uma área de 520
ha de vinhas próprias, nos municípios de Mikulov, Dolní Dunajovice,
Perná, Březí e Dobré Pole.
O Château Valtice, criado pelos Liechtenstein no século XV,
conta com duas adegas exclusivas. A primeira a ser construída foi a
Zámecký sklep, existente a partir de 1430 na ala esquerda do castelo,
com capacidade para vinificar 500.000 litros. Mais tarde, a Křížový
sklep (1640), considerada hoje o centro deste produtor. Assumem a
forma de cruz e ostenta um corredor monumental com 136 metros
de comprimento, atravessado por um braço com 90 metros. Possui
capacidade para um milhão de litros de vinhos. Verdadeiramente
impressionante é também a “biblioteca”, com 50 mil vinhos do Wine
Salon da República Checa. O Château Valtice possui cerca de 6% de
toda a área de vinha do país, ou seja, cerca de 1000 ha. A presença
dos Liechtenstein em Valtice terminou após a II GM, quando foram
forçados a abandonar a então Checoslováquia e todas as suas proprie-
dades passaram para o Estado.
Este período de nacionalização das vinhas e adegas foi responsável,
ao longo dos anos, por um sistema que privilegiou o volume em detri-
mento da qualidade, negando o próprio conceito de terroir e, como
já referimos, propiciando a hibridização de castas, visando torná-las
mais produtivas. A reprivatização das vinhas e dos operadores, o des-
mantelamento das cooperativas e a entrada de fundos comunitários
em abundância estão a dar uma nova vida aos vinhos daquele país.
Talvez, nos tempos mais próximos, não nos apercebamos disso. Afinal,
como o próprio Château Valtice faz questão em afirmar, “não ope-
ramos nos mercados externos nem exportamos vinhos. Os clientes
estrangeiros interessados nos vinhos terão que comprá-los direta-
mente na nossa adega em Valtice”. Mas, e isso podemos assegurar,
vale bem a pena a visita.

Mikulov conta com cerca


de 4500 hectares de


vinhas, instaladas em solos


maioritariamente calcários



  • o último afloramento


calcário dos Cárpatos


Brancos -, nas montanhas


de Pálava, que também


empresta o nome à casta


branca autóctone mais


tradicional da sub-região.

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