Revista de Vinhos - Edição 371 (2020-10)

(Antfer) #1

Estes espumantes sublinham


o rigor com que o tempo é


tratado. Não é por acaso que


falamos de cremosidade, de


bolhas finas e de texturas


que exaltam uma mousse


rendilhada. Toda esta


delicadeza, quase filigrana,


apenas se consegue com o


contacto prolongado com a


matéria orgânica da segunda


fermentação em garrafa (e


com uma grande qualidade


desses vinhos base).


Criada em 1946, no vale do rio Varosa,
viria a mudar de mãos em 1986. Orlando
Lourenço tem, desde então, honrado o rigor
e dedicação que o fundador, Acácio Laranjo,
imprimiu àquele que viria a ser um dos
grandes nomes de espumantes em Portugal.
E na enologia, Marta Lourenço tem sabido
imprimir a continuidade necessária, numa
produção anual de cerca de 1,5 milhões de
litros.
Números dignos do historial da empresa
e da região. A história do vinho em Portugal
tem inúmeras referências a Cister e, aqui,
estamos onde tudo começou. Foi a partir
de Tarouca, um dos oito concelhos da
região vitivinícola de Távora-Varosa, que os
monges brancos espalharam conhecimento.
Entre as culturas agrícolas, a vinha era uma
prioridade (no início, para a produção de
vinho para a missa, depois para autocon-
sumo das populações e comércio).
Enquanto a consciência de que a região
tinha características naturais ótimas para
a produção de vinho foi rapidamente
adquirida, a história e a experiência foram
demonstrando que a produção de espu-
mantes era um atributo especial que merecia
ser explorado, havendo registos de terem
sido os monges de Cister a iniciar a pro-
dução de espumante no século XVII (inte-
ressa referir que esta ordem religiosa estava
fortemente enraizada em Champagne).
Távora-Varosa é uma região com uma
altitude média de 550 metros. Os solos são
essencialmente graníticos areno-argilosos
e o clima é fortemente continental, com
verões quentes e invernos rigorosos. Com
este cenário, enriquecido por uma escolha
cuidada das castas, vamos ter bastante fres-
cura e teores de acidez que conduzem a
excelentes vinhos base para a produção de
espumante.

O rigor do tempo

Da penumbra das famosas caves de gra-
nito azul, conhecem agora a luz várias das
mais de 20 referências que a Murganheira
produz. Este conjunto de vinhos com-
prova a diversidade a que o produtor nos
tem habituado, com a sua escolha eclética
de castas, portuguesas e internacionais, a
denunciar um sentido apurado de inves-
tigação e experimentação, procurando a
melhor matéria para os vários estilos.
Estes espumantes sublinham o rigor com
que o tempo é tratado. Os mais recentes,
também os mais simples, são de 2017. Depois,
caminhamos na complexidade e delicadeza,
e recuamos para vinhos com estágios mais
longos, até ao extraordinário Murganheira
Grande Reserva Bruto Assemblage 2005.
Não é por acaso que falamos de cremo-
sidade, de bolhas finas e de texturas que
exaltam uma mousse rendilhada. Toda esta
delicadeza, quase filigrana, apenas se con-
segue com o contacto prolongado com a
matéria orgânica da segunda fermentação
em garrafa (e com uma grande qualidade
desses vinhos base). Quando caminhamos
para os dez anos sur lies, ou ultrapassamos
como em alguns destes exemplos, ser petil-
lant significa muito. Finesse, frescura, pro-
fundidade. Tudo num outro patamar que
nos envolve e nos faz reflectir sobre o que
temos no copo.
A consistência de qualidade destes vinhos
é por nós reconhecida em cada lançamento.
O que continua a demonstrar a enorme
vocação da região Távora-Varosa para
a produção de espumantes e o saber da
Murganheira.

@revistadevinhos outubro 2020 · 370 ⁄ Revista de Vinhos · 119

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