Revista de Vinhos - Edição 371 (2020-10)

(Antfer) #1
O valor das provas online

Durante o confinamento, as
provas online permitiram aos
produtores atingir um público
de consumidores muito mais
vasto (incluindo aqueles sem
tempo ou orçamento para
visitar regiões vitivinícolas).
Quando me juntei à primeira
degustação via Zoom da Cullen
Wines, os consumidores ficaram
entusiasmados em conversar
sobre vinhos com produtores
de Margaret River, Austrália.
Pioneira da biodinâmica e da
produção sustentável de vinhos,
Vanya Cullen pode ser uma
das principais produtoras da
Austrália mas, ao responder às perguntas, foi calo-
rosa, aberta e generosa com o seu conhecimento e
tempo. Com as vendas online a subir, planeia conti-
nuar as provas por Zoom quando a oportunidade o
justificar - por exemplo, novos lançamentos.
O produtor de Vinho do Porto Óscar Quevedo, pio-
neiro dos media sociais, disse-me que a Covid “inten-
sificou essa necessidade de se ligar ao consumidor”
por parte dos pequenos produtores independentes
como ele, que se recusam a reduzir preços (ou qua-
lidade) para entrar nas listas dos supermercados. Em
parceria com Tony Carter, retalhista do Reino Unido
na Vintage Wine & Port, organizou um evento online
para 170 clientes, que compraram meia garrafa dos
seis Vinhos do Porto em prova. Desde então, relata
Carter, “o Óscar conquistou muitos seguidores”;
alcançando um público mais jovem, diferente, “as
vendas de Porto Quevedo aumentaram 600%... O
número de clientes que repetem a compra é incrível”.
Para Carter, as provas online são “um grande passo
em frente” porque os vídeos podem ser vistos repe-
tidamente, ajudando a vender mais e, uma vez que
“a Google gosta de conteúdos de vídeo, também nós
recebemos um impulso”. Carter vislumbra um futuro
em que “os enólogos sentam-se junto às vinhas, trans-
mitindo diretamente para o consumidor final, que
pagará para provar os vinhos e ligar-se ao produto,
ao produtor e à sua filosofia de produção”.
Outra dinâmica a tomar forma decorre do fecho
de restaurantes, que contribuiu para aumentar o
gasto por garrafa nas compras domésticas, colocando
o vinho na frente e no centro da socialização e das
refeições em casa. De acordo com a Wine Intelligence,

o alcance do fenómeno na China
vai além daqueles já interes-
sados em vinhos, uma vez que
este grupo incentiva colegas
menos envolvidos a conecta-
rem-se para beberem vinho
durante conversas online.
Como os restaurantes e for-
necedores passaram a vender
vinho online, tem sido divertido
partilhar sugestões variadas (e
dicas de harmonização) com os
amigos, que se tornaram mais
aventureiros nos seus hábitos
de compra (e de cozinha) de
vinhos, à medida que pro-
curam recriar essas experiências
gourmet em casa. Alguns fazem
até anotações detalhadas e pon-
tuam vinhos.
Por outro lado, com o panorama londrino confi-
nado, tenho recebido amostras em casa, o que signi-
fica provar de forma mais seletiva, mas mais intensiva


  • ou seja, mais elaborada e menos instantânea. Os crí-
    ticos estão habituados a provar amostras de casco e
    vinhos jovens em pouco tempo (agitar, cheirar, cuspir,
    não engolir), mas ajuda podermos demorar mais
    tempo com vinhos complexos - especialmente novos
    lançamentos icónicos, como o australiano Henschke
    Hill of Grace 2015, que me levou horas, dias até, para
    desvendar. Embora a maior parte do conteúdo de
    uma garrafa seja invariavelmente descartada, provar
    em casa aumentou as oportunidades de experimentar
    os vinhos como o seu criador pretende - com comida
    e, ouso dizer, por vezes até bebendo-os. Aproximar-se
    de uma experiência de consumidor só pode beneficiar
    o meu público-alvo.
    Tendo em mente os clientes de restaurantes, Jancis
    Robinson MW previu “um aumento dramático da
    procura por garrafas de menor capacidade” após o
    confinamento. Espero que essa procura seja impul-
    sionada também por novos hábitos domésticos de
    consumo e prova. Com preços inferiores, as garrafas
    mais pequenas podem aumentar o acesso dos consu-
    midores a provas online e vinhos mais diversificados
    e de maior qualidade, bem como estimular o serviço
    de vinho a copo nos restaurantes. Para os críticos, as
    provas ditas comerciais têm o seu espaço mas, eco-
    nomicamente falando, há mais espaço para prova em
    casa com garrafas mais pequenas. E mais espaço, lite-
    ralmente falando, se as amostras puderem ser engar-
    rafadas em tamanhos reduzidos!


Provar em casa


aumentou as


oportunidades de


experimentar vinhos


como o seu criador


pretende - com comida e,


ouso dizer, por vezes até


bebendo-os. Aproximar-


se de uma experiência


de consumidor só pode


beneficiar o meu público-


alvo.


Sarah Ahmed, jornalista e crítica de vinhos

OPINIÃO

12 · Revista de Vinhos ⁄ 371 · outubro 2020 @revistadevinhos

Free download pdf