Revista de Vinhos - Edição 371 (2020-10)

(Antfer) #1
FILIPA PATO

Há vinhas na Bairrada que Filipa Pato considera “um museu vivo”.
Começamos numa delas, centenária e ainda em baldio, sem uma orien-
tação de plantas que permita ousar a mecanização. Os pés de videira
assemelham-se a pequenos troncos de árvores, alguns são bastante
rasteiros e espraiam-se por várias ramificações. Tal como em todas as
vinhas de Filipa, o solo é argilo-calcário, do Jurássico Inferior, sendo
frequente encontrarem-se fósseis marinhos.
Se a família e a própria Filipa centraram-se em Óis do Bairro, quando
o projeto pessoal (entretanto partilhado com William Wouters)
começou a ficar cada vez mais sério decidiu palmilhar outros pedaços
da Bairrada em busca de vinhas velhas, algumas em sério risco de
abandono, mas também de locais onde pudesse fazer novos plantios.
Hoje, segmentados por pequenas aldeias da região, explora um total
de 17 hectares.
“A Baga é uma uva de terroir. Cada terroir tem um estilo diferente”.
Filipa veste, literalmente, a defesa da Baga. Na t-shirt assume-se “Baga
Terroirista”, esteve na génese do agrupamento Baga Friends (com
Mário Sérgio, na Quinta das Bágeiras), não se cansa de elogiar as
características da casta. Salienta o historial de adaptação às vicissi-
tudes climáticas da região, traça uma curiosa analogia com o compor-
tamento e adoção do Ramisco, em Colares, defendendo que ambas
são singulares e muito bem adaptadas às regiões de perfil atlântico
em que são reconhecidas. A proximidade ao mar, os invernos e as
primaveras sempre húmidas e chuvosas obrigam a um esforço diário


de entendimento da vinha, sobretudo para quem, como Filipa, opta
pela viticultura biodinâmica (desde 2014). Os verões cada vez mais
secos são suportados pelas vinhas que bebem as reservas de água no
subsolo, dado que a irrigação não entra nesta equação. Faz compos-
tagem, assente no estrume de vaca, recorre aos preparados 500 e 501,
o coberto vegetal do solo e abundante – espargos, funcho, menta, oré-
gãos ou alhos selvagens partilham o mesmíssimo habitat da videira, no
caso de Filipa e de William com a vantagem extra de serem aprovei-
tados para a cozinha.

A Baga... como o bife

É já na cozinha, enquanto William confeciona o almoço, que Filipa
faz o curioso paralelismo entre a Baga e um bife: “Comparo o tra-
balho que tenho com a Baga com o trabalho do William na cozinha.
Vindimar a Baga no ponto de suculência é super importante, não pode
estar nem verde nem sobremadura. Muitos acham que o ponto ideal
para a Baga são os 14 graus (de álcool provável), mas o ponto de sucu-
lência é, tal como na carne, muito mais importante”, advoga. Dito por
quem tem pais e teve avós ligados ao vinho é digno de reflexão.
Filipa licenciou-se em Engenharia Química na Universidade de
Coimbra e aprendeu com o pai, Luis Pato, muito do que hoje sabe
sobre a Bairrada. Fez entretanto vindimas em Bordéus (França),
Mendoza (Argentina) e Margaret River (Austrália) até que decidiu
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