Revista de Vinhos - Edição 371 (2020-10)

(Antfer) #1
Uma das mais nobres castas tintas, à Touriga Nacional parece estar reservado o papel
protagonista no vasto leque de variedades autóctones portuguesas. Do afunilamento
causado pela ‘Touriga Nacionalização’ à redescoberta de um certo perfil clássico, a prova
temática dedicada a esta casta entrevê novos caminhos...

textos Marc Barros / notas de prova Célia Lourenço, Guilherme Corrêa,
José João Santos e Marc Barros / fotos D.R.

A Touriga Nacional é tida como o porta-estandarte dos vinhos por-
tugueses, a casta nacional mais reconhecida mundialmente e uma das
mais versáteis e bem adaptadas às diversas regiões e terroirs nacionais
(e não só...). A sua dimensão global deve-se, em grande parte, à própria
designação – com efeito, é fácil a qualquer estrangeiro pronunciar - e
fixar - o nome da casta, mesmo que com ligeiro sotaque, transforman-
do-a numa dissonante ‘Tôriga National’. Mas a presença da casta em
vários países do Novo e do Velho Mundo constitui o melhor reconhe-
cimento da sua valia vitícola e enológica.
A esse propósito, a seleção da Touriga Nacional como casta auto-
rizada em Bordéus é suficiente atestado: uma das regiões mais valo-
rizadas mundialmente, num país tradicionalmente “exportador”
de castas e reconhecidamente chauvinista quanto à valia dos seus
vinhos, acolheu a Touriga Nacional na Parcelle 52, onde o Conseil
Interprofissional de Vin de Bordeaux (CIVB) desenvolve pesquisa em
climatologia. Esta parcela experimental em Pessac-Léognan pretende
monitorizar a forma como 52 castas enfrentam as alterações climá-
ticas em Bordéus. Em 28 de junho de 2019, foram aprovadas sete
variedades na Parcelle 52, consideradas “de interesse pela adaptação
às mudanças climáticas” para os vinhos AOC Bordeaux/Bordeaux
Supérieur – as tintas Arinarnoa, Castets, Marselan e Touriga Nacional
e as brancas Alvarinho, Liliorila e Petit Manseng. Com decisão sujeita
a validação final pelo Institut National de l'Origine et de la Qualité após
um período experimental de 10 anos, estas variedades podem ocupar
até 5% das vinhas das mencionadas AOC, com não mais do que 10%
incluídos nos lotes finais dos vinhos – regras que visam proteger a
tipicidade de Bordéus. As primeiras plantações destas castas recém-
-aprovadas devem ocorrer ainda este ano ou no próximo. Motivo de
orgulho para Portugal, até porque, segundo especialistas como Bruno
Prats, a casta está “obviamente adaptada a condições quentes e secas
e de alta qualidade, com concentração, subtileza e grande potencial de
envelhecimento”.
Mas a rainha das castas tintas nacionais esteve à beira da extinção
devido à baixa qualidade da uva e aos escassos rendimentos, agravados
pela introdução de porta-enxertos americanos no combate à filoxera,
com os quais a casta não se terá dado bem. A investigação e seleção
clonal, sobretudo no Douro e no Dão, bem como a introdução de
porta-enxertos adequados, melhoraram a produtividade, por ser uma
casta vigorosa e de porte semi-ereto, reconduzindo-a à condição de
nobreza de que é meritória.


Touriga Nacionalização?


A Touriga Nacional tem como carta de apresentação o facto de
dar-se bem em todos os tipos de solos, pedindo apenas disponibilidade
hídrica e um número adequado de horas de sol. Não é tida como aneira
e pode ser trabalhada de acordo com diferentes perfis, um mais clás-
sico, assumindo a elegância, a frescura, o equilíbrio e a complexidade
como matriz, e um segundo mais vigoroso, concentrado e estruturado,


tendo no uso de madeira, sobretudo nova, a ferramenta de eleição.
A variedade reconhece-se facilmente pela folhagem de tom verde
médio, enrugamento pronunciado e elevado polimorfismo. Dá origem
a cachos de pequenas dimensões, com peso entre 100 e 150 gr., assu-
mindo forma cónica, de aspeto compactado. Apresenta pedúnculos de
comprimento médio e bagos pequenos e arredondados, de polpa não
corada. A película tem coloração negro-azulada. Os valores de álcool
provável são médios e acidez total altos, sendo que o álcool provável
pode rondar os 12 a 13 % e a acidez total situar-se entre 6,5 a 8 gr./lt..
Todas estas características – adaptabilidade na vinha, bom trato
enológico e, mais recentemente, valorização comercial – levaram à
disseminação da casta, num fenómeno de “Touriga Nacionalização”
das vinhas e dos vinhos do país. Expressão que se prende não apenas
com a expansão territorial, mas também pelo facto de ter assumido,
nas últimas décadas, um perfil de vinhos muito semelhante, quase que
homogeneizado, levando a uma certa descaracterização de vinhos pro-
duzidos em regiões ditas “clássicas”. O seu marcado aroma floral e as
notas de bergamota, por um lado, e a secundarização de outras castas,
quer no Douro e no Dão, mas também em regiões como Alentejo ou
Setúbal, ditaram essa descaracterização. Porém, como pudemos com-
provar, tal fenómeno parece estar a ser ultrapassado, privilegiando-se
antes o terroir e as diferentes facetas que a casta consegue exibir.

O perfil surpreendente das Tourigas

Foram submetidos a esta prova temática mais de cinco dezenas de
monovarietais da casta Touriga Nacional oriundos dos quatro cantos
do país – incluindo Vinhos Verdes! -, sendo que cada produtor poderia
enviar uma amostra de um vinho, a lançar no mercado.
Os resultados, apesar de não serem surpreendentes, causaram ainda
assim algum assombro pela qualidade geral dos vinhos provados nas
diferentes categorias de preços mas, sobretudo, e ao contrário da
expetativa inicial, na assunção generalizada de um perfil de vinhos que
pende para o lado do equilíbrio, da frescura e da elegância e menos
para a concentração e potência – isto, inclusivamente, em regiões mais
quentes e até em anos, como o de 2017, também ele extraordinaria-
mente quente, o que atesta, por seu lado, a enorme evolução que a
viticultura portuguesa regista.
Da análise dos resultados, ressalta desde logo que, entre os mais
bem pontuados, estão vinhos das regiões que podemos designar como
“clássicas” ou berço da Touriga Nacional – Dão e, igualmente, Douro
-, mas também vários exemplares do Alentejo, demonstrando a real
aptidão da casta a tipos de clima e solos bem diferenciados. Por outro
lado, é de destacar que, nos vinhos pontuados entre 16,5 e 16 valores,
não só se confirma a variabilidade de regiões de onde estes vinhos são
oriundos, mas a dispersão de preços é também significativa, ficando
patente que o rigor enológico pode andar de mãos dadas com custos
controlados na produção e, também, mais-valias comerciais. E grandes
vinhos, feitos para durar, mas também para encantar desde já...

TOURIGA NACIONAL

@revistadevinhos outubro 2020 · 370 ⁄ Revista de Vinhos · 95

Free download pdf